Semana passada eu estava dirigindo e uma das minhas músicas favoritas começou a tocar no rádio. Aproveitei o semáforo vermelho e aumentei um pouco o volume, e naquele momento eu nem pensei sobre como nós curtimos muito mais uma música conhecida que começa a tocar assim, do nada, do que se nós mesmos tivéssemos a escolhido para tocar. Com o som preenchendo o carro, cantarolei toda a letra bem alto, e acho até que meus pulmões vibravam mais do que os vidros da janela. Fiz isso durante boa parte do trajeto, e quando a música estava chegando ao fim, veio outro sinal fechado. E foi aí que eu olhei para o lado e vi alguém me encarando.
A minha reação foi óbvia mas sem sentido algum: imediatamente baixei o volume do rádio e fingi que nada estava acontecendo. Forcei um sorriso amarelo sem nem planejar e em questão de segundos estava com o olhar de volta para a rua na minha frente. Corado de vergonha, como uma criança que acaba de fazer algo de errado e mesmo assim tenta passar impune, quis me enfiar dentro de um buraco. Mas já era tarde demais, alguém tinha me visto sendo feliz.
Pensei muito sobre isso quando cheguei em casa. Tentei entender porque é que temos vergonha da nossa felicidade quando ela se manifesta ao acaso, da forma mais genuína possível. Fiz esse exercício porque aquela não era a primeira vez em que eu sentia vergonha por estar sendo eu mesmo, e até lembrei de um videoclipe antigo da Alanis Morissette chamando Ironic onde ela dirige com outras versões de si mesma e canta como se o dia seguinte não existisse. Acontece que até agora não encontrei uma resposta, mas me prometi que aquela seria a última vez em que eu ficaria tímido por estar sentindo toda a liberdade que a combinação carro + música favorita pode oferecer.
Desde então, dirigi mais algumas vezes e em todas elas fiz questão de colocar a minha playlist favorita para tocar. Procurei ignorar o mundo ao meu redor e gritei cada verso de várias músicas com tanta vontade e entusiasmo quanto torcedor de time de futebol em jogo de final. É claro que recebi olhares estranhos, até mesmo de pedestres que olharam para dentro do carro e viram um motorista falando sozinho, já que não havia ninguém no banco do passageiro.
Lembrei de outra música, tão clássica e clichê, mas que casava perfeitamente com aquela cena. Foi como se cada placa ou avisos de trânsito pintados no asfalto se transformassem naquela letra: “Viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar e cantar e cantar...”
Sendo assim, cantei. Mesmo nos semáforos fechados. E para cada olhar estranho, revidei com um sorriso largo de quem dizia: aproveite, o show é de graça. Tal qual a felicidade.
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