As sacolas cheias de fruta estavam pesadas e precisei chamar um Uber. Era uma sexta-feira de sol forte, e eu só queria chegar em casa para fazer uma jarra bem gelada de limonada. Quando o carro chegou, sentei no banco do caroneiro com todas aquelas sacolas, e o motorista não pensou duas vezes ao olhar para aquele tanto de limões: “hoje vai ter caipirinha, então?”, perguntou sorrindo.
Achei aquilo engraçado. Quer dizer, eu estava imaginando uma limonada gelada e ele automaticamente me sugeriu uma caipirinha. No caso, nós dois estávamos olhando para a minha dúzia de limões na sacola e, ao mesmo tempo, cada um estava tendo uma ideia diferente sobre a mesma coisa.
Lembrei de todas as vezes em que pensei que uma coisa era uma coisa e fim de história. Até que decidi incluir uma dinâmica em uma das minhas oficinas de escrita criativa onde eu desafio os oficinandos a ressignificar um objeto. Tem régua que vira marcador de página, pente de cabelo, lápis matemático, calçador de sapato e por aí vai. Nada termina em si.
A ideia surgiu dias antes, no exato momento em que eu riscava um fósforo para acender um incenso aqui em casa. Ao ver a chama acesa, me dei conta de que o fósforo que acende o incenso é o que mesmo que inicia um incêndio. Sendo assim, a função que as coisas vão ter depende das nossas escolhas.
Ao mesmo tempo em que está em nossas mãos atribuí-las, é legal pensar que nada é singular. Tudo pode ser muito, tudo pode ser outra coisa, tudo pode ter infinitas possibilidades. Podemos transformar cada situação: seja em tanta poesia quanto um incenso aceso, seja em tanto caos quanto um incêndio sem fim. No fim do dia, depende da gente.
Talvez o exemplo mais simbólico de todos seja o dinheiro. Com um bolo de notas em mãos, o que pode ser feito? Bem, depende da intenção – e ela com certeza é diferente para cada um de nós. Quer dizer, os destinos possíveis são muitos, e a diferença entre gasto e investimento é concretizada por nós mesmos. Há variáveis, é claro: há sempre um peso para cada situação.
Mas se paramos para pensar que uma mesma coisa pode ter diversos destinos, por que não pensamos que nós mesmos somos assim? Afinal, não precisamos ser um só. Podemos ser únicos mesmo sendo uma centena de variantes ao mesmo tempo. Eu não quero ser só um título, um rótulo, assim como não quero ser conhecido por um único feito. Eu quero ser uma infinidade de descobertas dentro de mim mesmo, como se novas versões minhas fossem lançadas a cada segundo. Eu quero ser tão surpreendente (para mim mesmo, principalmente) que vez que outra eu nem vou me reconhecer.
Num dia eu quero ser caipirinha. No outro, limonada.