Meus pais trocaram de cama. Até aí, nada muito relevante para se contar no jornal. Mas eu insisto em querer olhar para cada situação e encontrar um significado muito além do superficial, já que as coisas rasas não permitem que nos afoguemos – e a graça da vida é mergulhar em cada pequeno momento, não?
A cama, que antes tomava conta de quase todo o quarto e poderia acomodar facilmente umas três pessoas, foi substituída por uma versão mais compacta. A investida dos meus pais, então, foi justamente com este pretexto. "Não precisamos de uma cama tão grande assim, ela ocupa quase todo o cômodo". Em silêncio, eu só conseguia pensar na metáfora mais linda que encontrei: meus pais estão reduzindo o espaço entre eles.
Fomos educados para sempre conquistar a versão maior das mais variadas coisas: queremos uma casa maior, um carro maior, um celular de tela maior e por aí vai. Infelizmente, é assim que temos a ideia de que estamos crescendo, de que o trabalho está prosperando e de que a nossa vida vai muito bem, obrigado. Recusar-se a pensar na real necessidade de tudo isso parece automático porque ninguém gosta muito de se auto questionar. Se fomos ensinados que é assim que as coisas são, então é assim que tudo deve ser. Será?
Se você para um minuto e pensa com cuidado, a vida é cheia de espaços – sejam de tempo, sejam físicos. A gente vive dizendo que "vamos marcar aquela janta" que nunca sai, e aí o tempo passa e os amigos viram apenas conhecidos. Aquela briga sem sentido que teria um fim com uma simples xícara de café fica lá, pendente para o dia que acharmos que ela deve ser resolvida. Criamos lacunas desnecessárias, permitimos buracos não justificados porque acreditamos que a distância resolve. Cultivamos fronteiras invisíveis, porém notáveis na pele e na alma, quando na verdade há sempre algo do lado de lá que deveria estar aqui, perto da gente (a natureza estar cada vez mais longe é só mais um exemplo), e afastar (talvez eu devesse utilizar a palavra "repelir") parece efetivo, prático. Vivemos tempos descartáveis, afinal.
Perto de tudo isso, o espaço entre os meus pais na sua antiga cama era mínimo, coisa de centímetros. Mas se houve uma troca é porque existiu um desejo, mesmo que implícito, de estar mais próximo. Não tiro a razão de Leonardo da Vinci que dizia que "para estar junto não é preciso estar perto, e sim do lado de dentro", até porque a era digital reforça a cada dia o sentido da frase. Ao mesmo tempo, se existe a oportunidade do toque, do abraço, do cheiro, da troca, do olho no olho, da presença, que isso tudo seja vivido, então.
E que estejamos assim, cada vez mais próximos. Com camas menores e suficientes que parecem cochichar: não há mais espaço que impeça um abraço antes de dormir.