Tenho sentido que estou perdendo os meus filhos. E olha que eu nem sou pai.
É natural: ao longo da vida, tendemos a carregar filhos que não nos pertencem biologicamente, mas que acreditamos ser o nosso dever fazer parte de suas trajetórias. Foi assim com a professora que sentiu um carinho especial por aquela turma que cresceu e trocou de sala. Foi assim com aquela família que recebeu um hóspede de outro país em sua casa e depois sentiu um silêncio ecoar por todos os cômodos na mais diferente das línguas. Foi assim comigo quando decidi me tornar escritor. Mal sabia eu que trabalharia com adolescentes, mal sabia eu que encontraria um público muito (mas muito) carente - de abraço, de atenção, de escuta. E que um dia eles iriam embora.
No meu último texto eu falei sobre o amor de ser mãe, sobre como é necessário ser racional algumas vezes, mesmo que o coração esteja extrapolando todos os sentimentos ao mesmo tempo. O retorno foi positivo, e foi aí que eu comecei a pensar que não, nunca saberei o que é sentir-se mãe, mas eu sei exatamente o que é sentir-se parte da história de alguém, a ponto de se preocupar o suficiente para eu me considerar um pai de aluguel.
O problema todo é que os nossos filhos crescem. E mesmo que cresçamos juntos, entender que eles estão naturalmente mudando (de gostos, de opiniões, de lugares) é uma tarefa complicada para qualquer pai.
Dias atrás eu vi uma garota em uma festa. Até aí tudo bem, não fosse o fato de termos nos conhecido quando ela tinha 13 anos. Agora, com 18, ela frequenta festas. As mesmas que eu. E ela está lá, então, vivendo na melhor intensidade e sendo feliz, exatamente tudo o que um pai quer para o seu filho. Mas aqui, aqui dentro mesmo, o peito contrai e surgem as preocupações. Não só aquela velha história de a vida nos mostrar (do jeito mais explícito possível) que estamos ficando velhos, como também a sensação de que aquela minha filha (provavelmente a número 12 de muitas) não é mais uma menina. Aos poucos, nasce a mulher.
Acho que é isso que os pais (os biológicos, digo) devem sentir. Tudo bem, é completamente diferente ter um hamster e ter um bebê, ou "adotar" leitores e criar um filho diariamente. Mas creio que o abandono seja o mesmo: sei que meus filhos estarão sempre ali, e de alguma forma incrivelmente linda eles lembrarão de tudo o que vivemos, mas ao mesmo tempo fica um vazio que deve ser o mesmo que os pais sentem quando um filho sai de casa.
Pela primeira vez em quase 7 anos de carreira, sinto que um ciclo se encerra. Os filhos que conheci quando eles estavam no sexto ou sétimo ano se formaram. Agora, eles são gente grande. Agora, eles frequentam as mesmas festas que eu. Agora, existirá uma nova geração de pequenos que eu espero acompanhar crescer da mesma forma. Agora, talvez os "meus maiores" nem mesmo leiam mais os meus livros (sabe como é, "Pedro Guerra é coisa de adolescente"), mas eu vou amar cada um do mesmo jeito que amei durante todos estes anos, até o momento em que a gente tropeçar na rua e eu enchê-los de perguntas, preocupado, curioso e feliz que só.
Não adianta... É coisa de pai.