Banco é um troço chato. As cadeiras poderiam, ao menos, ser mais confortáveis. Mas se você tiver a sorte de ter por perto uma criança, o tédio da espera pode ser amenizado. Foi mais ou menos assim naquela tarde de verão em pleno inverno da Serra gaúcha. A garotinha, com no máximo seis anos de idade, falava sobre o cabelo de uma moça que aguardava, assim como todos nós, ser chamada.
— Vó, aquela mulher tem o cabelo bem liso e loiro. E curto. Por que eu não tenho igual?
— Porque tu és morena.
— Ela tem o cabelo que nem o da Beatriz. Se eu tivesse a pele loira, ia ter o cabelo igualzinho.
A avó riu e todos em volta também. Comentou que os cachos dela eram lindos. E eram mesmo. Ela estava de costas para mim e pude ver os longos fios formarem pequenas molas cor de mel.
— Não vejo a hora de crescer. Vou ter um cabelão bem cacheado. Será que eu vou ser bonita quando crescer? A Tati ficou tão bonita quando cresceu.
A preocupação com aparência — tão jovem e já contaminada pela sociedade da beleza — deu lugar a outra inquietude. A pequena, com voz doce, perguntou à avó por que não tinha Silva no sobrenome.
— Foi aquele lá que te registrou. Nem sei por que. Mas ele não é teu pai.
— Por isso vou fazer o DNA — retrucou a garotinha.
Ninguém riu dessa vez. Ninguém podia acreditar que a resposta vinha daquele corpinho miúdo, com pés calçando uma delicada sapatilha e que mal alcançavam o chão. Mais madura que muita gente naquela sala. Tão pequena e com atitude de adulto. Uma criança com preocupações de gente grande.
— Falta muito para chamarem a gente, vó? — resmungou a menina.
Criança em banco. Cansada de esperar a sua vez. Cansada de esperar para saber quem é o pai. Aquela garota, naquela tarde de sol e calor deveria estar na rua, no parque, na pracinha, brincando no balanço, na gangorra, no escorrega. Livre das portas giratórias com detector de metal das instituições bancárias. Pensando bem, eu também. Coisa chata é ir ao banco. Coisa triste não saber quem é o pai.
***
A crônica é uma das vencedoras do 56º Concurso Anual Literário de Caxias do Sul. A cerimônia de premiação ocorreu nesta quarta-feira e os textos serão publicados em uma antologia a ser lançada em outubro. Agradeço a gentileza do jornalista Marcelo Mugnol, titular da coluna às quintas, em ceder o espaço.