O dinheiro é tradicionalmente associado a Touro, o primeiro signo de terra, que define nossa base de sustentação material. A invenção do dinheiro, como um símbolo de conversão de valores, dinamizou as trocas materiais e culturais entre humanos. Como observa o historiador Yuval Harari, graças ao dinheiro, até mesmo pessoas que não se conhecem nem confiam umas nas outras são capazes de cooperar de maneira efetiva. No entanto, essa relação progressista também tem um lado obscuro.
Como alerta Harari, se tudo se torna conversível a um valor de moeda, “corroem-se tradições locais, relações íntimas e valores humanos, substituindo-os pelas leis frias da oferta e da procura”. A própria confiança entre estranhos vai depender da posse ou não de dinheiro. Também ao avançar sobre valores não “vendáveis”, como ética e moral, o dinheiro, com seus impessoais alicerces, assume a perigosa condição de divindade suprema do mundo. E submete os humanos a uma lógica torta que, em nome da posse do dinheiro, justifica a destruição até mesmo do que lhes é vital, como a natureza.
A crítica questão da terra e dos recursos naturais – outro tema de Touro – é uma pauta contemporânea. Sob a sanha voraz de um esquema centrado em extrair-produzir-faturar, o consumismo estimulado e o necessário descarte são condições de mais faturamento. Como resultado, uma floresta já não é o espaço sagrado da vida de povos ancestrais, mas a matriz primária de mercadorias e riquezas. Um rio já não é um curso de água necessário à ecologia, mas a possibilidade de uma hidrelétrica ou de um garimpo. A natureza inteira, enfim, já não é o organismo maior do qual fazemos parte, mas um objeto a ser vendido ou explorado.
Na febre de acumulação de dinheiro como fator de segurança ou poder, perdemos a noção real de valores. Já não são as pessoas que valem alguma coisa, mas o que elas possuem. O ser foi sequestrado pelo ter. Curiosamente, o signo do ter, Touro, rima com ouro, mesmo que esse metal seja associado a Leão, o signo do ser. O ouro já não representa a potência expressiva leonina, o brilho único de cada ser, mas a matéria que antes o envolve segundo o sagrado mercado. Até tentaram instalar um touro dourado em frente à Bolsa de Valores de São Paulo!
Falando em ouro, é comum o uso da expressão “toque de Midas” para louvar os empreendedores cujas ações sempre resultam em acertos financeiros. A expressão veio do mitológico rei Midas. Ao receber uma bênção do deus Dionísio, o ambicioso Midas pediu-lhe o dom de transformar em ouro tudo o que tocasse. Dionísio consentiu, com um riso irônico, sabendo que aquilo não ia terminar bem.
Midas entrou radiante no palácio, vendo paredes e móveis reluzindo em ouro ao simples toque de seus dedos. Até que sentiu fome. E viu a comida virar pedras de ouro no contato com sua boca e a água descer-lhe na garganta rasgando como metal líquido. Midas foi tomado pelo terror. Mas o pior foi quando o filho pequeno correu ao seu encontro, transformando-se, ao contato com o pai, numa pequena estátua de ouro. E aí o homem mais rico do mundo também era o mais miserável!
Midas implorou a Dionísio que revogasse a dádiva. Banhou-se, então, qual batismo purificador, num rio cujas águas ficaram douradas. Renovado, Midas largou a vida opulenta que levava e foi morar nos bosques. Fica a lição. Entre o que fazemos com o dinheiro e o que o dinheiro faz conosco, abrem-se caminhos de bênção ou de maldição. Que nos guie o que jamais pode ser vendido: a vida em tom maior.