A senha da crônica é uma canção da Adriana Calcanhotto em que ela canta: “Eu não gosto do bom gosto”.
O teu bom gosto é o desgosto do vizinho. O cara do terno risca de giz, gravata slim com nó Windsor e camisa de colarinho italiano acha brega o guri que se equilibra em cima do skate enquanto faz malabarismos sem deixar a calça semi-arriada cair por inteiro.
Tem gente que coleciona cactos, apesar dos constantes cortes, afinal de contas, o espinho nasceu pra espezinhar. Outros preferem colecionar latas de cerveja como troféus, conquistas de etílicos campeonatos em travessias de bar em bar.
Vai ali no Acampamento Farroupilha — apoteose da cultura gaudéria — e grita: “eu prefiro sushi!”. Grita lá: “que-que-querem com picanha, o néctar dos deuses é atum”. Vai lá pra ver a vaia assombrosa, vai!
O bom gosto depende sempre de que lado da torcida o cara está.
Tem louco pra tudo. O silêncio de uns é o gatilho pra ansiedade de outros. Bons modos à mesa? E como faz quem não tem mesa pra almoçar? Serve de que preferir picanha a atum? E o faminto que esperneia lá debaixo da linha da pobreza? Come o que pra silenciar a fome que corrói suas entranhas?
“Eu gosto dos que têm fome, dos que morrem de vontade, dos que secam de desejo, dos que ardem”. Pois é, Adriana... Nem todo metaleiro te curte, nem teu flerte com o funk aproximou os MCs do teu universo, os modernos te veem brega e os bregas te veem moderna. C’est la vie!
O bom gosto separa papos de grenás, calvos de cabeludos, infratores de juízes, sertanejos universitários de acadêmicos inovadores. O bom gosto divide os que adoram pão de queijo e desprezam croissant.
Covardes são vistos como corajosos, por quem julga ter bom senso. Por outro lado, insensatos questionam o bom senso dos covardes.
Picolé de uva, suco de uva, vinho frisante, shampoo de uva, gloss de uva, pastel de sagu de uva, carré de cordeiro harmonizado com vinho syrah, arroz com uva passa.
Haja criatividade pra lidar com a mesma fruta, a soberana que apimenta o desejo de todos os municípios da Serra, ávidos por chamar a uva de amada rainha.
Lembrando que a videira despreza fronteiras, cercas e muros.
“Eu não gosto do bom gosto” é a senha da crônica. “Eu não condeno mentiras, eu não condeno vaidades”. O bom gosto compra quase tudo, menos o bom senso. “Eu suporto aparências”.
Aparentemente, os que têm fome estão sempre morrendo de vontade, né, Adriana? O custo do desejo é o escambo do tempo de vida versus o suor do trabalho.
— Garçom, embrulha o bom gosto que eu vou levar pro vira-lata.
— E qualé o nome do cusco?
— Bom Senso. Ele come picanha e arrota sushi de atum.