E se hoje fosse o último dia da tua vida? Algum plano? Sem planos? Viajar, pescar, organizar os livros na estante? Recolheria o lixo do banheiro? E a louça da pia? Varrer a casa? Vestir roupa de festa, chinelo de dedos? Rumo pro mato, pro quarto escuro, descer a Serra pro litoral?
Repetiria “eu te amo” ou diria, pela primeira vez, convicto, “eu te amo”? Ou cairia de joelhos, em pranto, lembrando de cenas do passado, recordando do perfume de felicidade que já deixa saudades antes do último suspiro?
Viveria a intensidade do último dia, celebrando com os amigos — e inimigos — a proximidade da finitude, a morte iminente, abraçados, bebendo e brindando? Ou resignar-se-ia sozinho, em silêncio, sem contar pra ninguém que o teu amanhã não vai raiar?
É possível enganar a morte? A foice da dona morte é implacável, mas sempre tem um ou outro que escapa e volta pra contar e dizer onde estava e o que viu. Mas ninguém explica como enganou a morte. Uns chamam de fé, sempre associada a um milagre. Mesmo os enganadores da morte, no último dia de suas vidas, serão tragados pela morte.
Serve de quê saber o dia e a hora da visita da morte empunhando a foice? Com olhar pragmático, digo que essa informação ajuda a organizar a vida antes do fim. Ajuda a organizar a burocracia, a colocar em ordem quem fica com o quê, qual herança o morto deixa, de valor financeiro e sentimental. O pet, as plantas, os livros, as fotografias, o perfume, o verso colado na geladeira.
Daria pra conhecer o oásis dos teus sonhos antes de findar o último dia da vida? Irias sozinho? Acompanhando do amor, do filho, do melhor amigo, do primeiro desconhecido que encontrasse pelo caminho? Se desse tempo pelo menos o registro fotográfico do último dia seria paradisíaco.
Contaria nas redes sociais pro mundo ouvir que este é o último dia da tua vida? Postaria fotos, stories e o escambau pra lucrar com a bizarra curiosidade que suscitaria acompanhar teus últimos passos antes da vida ceifada pela dona morte? Engajados, os internautas, teriam melhor apreço por suas vidas, mergulhando na intensidade de suas vontades ou voltariam a sua apatia depois do silêncio das tuas postagens?
“Só existe o hoje, só existe o agora”. Daqui a pouco já vira passado e o amanhã pode ser que nunca aconteça. Lições preciosas que a gente escuta — e nem sempre dá bola — brotam de gente que tem o coração em sincronia com a vida em sua mais pura intensidade.
Outros, perdem tempo pensando: “e se eu morresse hoje?”