É fato inconteste que vivemos uma era de narcisismo absoluto. Mas isso não é totalmente negativo. Se, por um lado, desaprendemos de conjugar qualquer pronome além da primeira pessoa do singular, isto também pode significar uma reapropriação da vontade, do gosto. A história da humanidade está marcada muito mais por épocas em que uma moralidade estreita dominou os costumes do que pela expansão do desejo individual. Talvez o que vemos hoje seja simplesmente o resultado da impossibilidade que a maioria tinha de compartilhar, antes do surgimento das redes sociais. O paradoxo, e é importante ressaltar isso, é que quanto mais nos exibimos, tornando manifesto o que, por sua natureza, é reservado, mais nos sentimos solitários. O motivo disso? Possivelmente um deles seja a nossa incapacidade de estabelecer um diálogo com o outro. Existe uma fratura entre o que queremos comunicar e a forma como isso chega ao destinatário. Funciona mais ou menos assim: eu preciso espalhar para o mundo o que faço, o quanto estou feliz, em que posição privilegiada me encontro. Porém, isso é direcionado para todos e para ninguém.
Mesmo com barbarismos, ideias redutoras e a ausência quase que total de uma elegância mínima nos contatos, isso haverá de ser apenas um ajuste para que essa liberação total encontre sua adequação. Pense em como eram os códigos de conduta até, por exemplo, o início dos anos sessenta. A expressão amorosa e sexual acontecia na alcova, na clandestinidade. No momento em que nos sentimos autorizados a dizer das emoções e da própria libido, é obvio que essa avalanche tenha o seu lugar. Sou definitivamente um ser otimista. As coisas podem estar ruins, mas por uma ordem que escapa à nossa razão, elas acabem encontrando o extremo, numa espécie de equilíbrio natural. Sei lá, posso errar, mas não quero alimentar minha alma com esse catastrofismo que impregna tantos. É questionável a premissa de que o excesso conduz à satisfação. Tudo ser, tudo expor, tudo sentir. Só que precisamos passar por isso como se fosse uma purgação. Como disse Oscar Wilde, a única maneira de se livrar de uma tentação é cedendo a ela. As portas escancaradas voltarão a se fechar. Os gritos se transformarão em demonstrações mais delicadas, sutis. Quem sabe até, e eu sonho com isso, o pudor entre novamente na moda.
Ser menos severo com os demais é também dar espaço para que nossos erros sejam compreendidos e perdoados. Sabe-se lá que aflições se escondem dentro de quem sente essa compulsão por legitimar em praça pública suas alegrias. Lembra: somos extremamente complexos para reduzir a uma sentença o que se passa nos escaninhos da mente. Uma fórmula? Deseje, mas não se deixe arrastar. Só há liberdade quando há controle.
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