Tenho dificuldade de viver em ambientes onde não impera certa ordem e limpeza. Mas evito tornar-me propriamente um maníaco. Tento dosar minha discreta compulsão em organizar gavetas e armários e em evitar que o pó acumule sobre os móveis. Mantenho essa postura por acreditar que ela representa muito mais do que o desejo de viver num mundo materialmente asséptico. Acredito, filosoficamente falando, que ao agir assim estou compondo com seriedade e disciplina o meu mundo interior. Distancio-me da rigidez excessiva, mas não consigo conviver cercado pelo caos, pois penso que ele reflete também um estado de espírito. Além disso, preocupar-se em instaurar um sentido estético aos atos corriqueiros e banais pode nos levar a amar o que nos parece destituído de grandeza. Quando varro o chão ou lavo a louça, sei que estou contribuindo modestamente para que o local em que vivo fique mais agradável. Busco provar a mim mesmo que a beleza se esconde no que há de mais trivial. Pessoas relapsas parecem-me menos interessadas no que as rodeia. Fascino-me com o que me é oferecido no que chamamos, com certo desdém, de rotina.
Quando me sinto cansado de fazer a mesma atividade, recordo da lição budista que nos incita a encontrar o sublime nos atos mais prosaicos. Tudo precisa ser feito com atenção e consciência. Podemos começar deixando o espaço que habitamos costumeiramente pronto, como se fôssemos receber a visita de um desconhecido. O contrário me dá a sensação de um descarrilamento emocional, pois quem é incapaz dessas pequenas ações que buscam o esmero e a excelência, certamente não terá condições de acessar internamente o que lhe dá equilíbrio e autodomínio. Então, quando dedico meu tempo a recolher o que está espalhado pelos cantos ou a remover alguma sujeira incrustrada, faço mais do que mostrar um traço neurótico. Permaneço precavido quanto ao que pode ser soterrado sob camadas de desleixo, deixando que o verniz seja recoberto por uma pátina enegrecida. Ao cuidar com desvelo do que me pertence, aprendo a não adiar o que precisa ser feito, pois a preguiça é uma espécie de antessala do fastio, do tédio. Mas testo outro aspecto da saúde mental apreciando também o ócio: é uma benção apenas testemunhar o que acontece, sem a necessidade - tão arraigada em nossa cultura - de justificar a vida através do trabalho.
Porém, estou sempre pronto a devolver às coisas um aspecto de novo. O que brilha, primeiro, é a minha alma.