Tenho dificuldade de viver em ambientes onde não impera certa ordem e limpeza. Mas evito tornar-me propriamente um maníaco. Tento dosar minha discreta compulsão em organizar gavetas e armários e em evitar que o pó acumule sobre os móveis. Mantenho essa postura por acreditar que ela representa muito mais do que o desejo de viver num mundo materialmente asséptico. Acredito, filosoficamente falando, que ao agir assim estou compondo com seriedade e disciplina o meu mundo interior. Distancio-me da rigidez excessiva, mas não consigo conviver cercado pelo caos, pois penso que ele reflete também um estado de espírito. Além disso, preocupar-se em instaurar um sentido estético aos atos corriqueiros e banais pode nos levar a amar o que nos parece destituído de grandeza. Quando varro o chão ou lavo a louça, sei que estou contribuindo modestamente para que o local em que vivo fique mais agradável. Busco provar a mim mesmo que a beleza se esconde no que há de mais trivial. Pessoas relapsas parecem-me menos interessadas no que as rodeia. Fascino-me com o que me é oferecido no que chamamos, com certo desdém, de rotina.
Opinião
Gilmar Marcílio: limpeza interior
Estou sempre pronto a devolver às coisas um aspecto de novo
Gilmar Marcílio
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