Em seu livro Meu pescoço é um horror, a roteirista e diretora de cinema Nora Ephron relata fatos divertidos (e alguns tristes) de sua vida. Sempre releio algum deles como uma lição filosófica. Ela conta sobre a perda de uma grande amiga, depois de um longo suplício após a descoberta de um câncer na língua. Ao chegar em casa, vinda do velório, resolve imergir por uma hora em sua banheira, para aliviar um pouco a dor que está sentindo. E começa a falar sobre um óleo de limão para banho que adora. Na embalagem, sugere-se o uso de uma tampinha. Mas, segundo ela, essa quantidade é absolutamente insuficiente, não serve para nada. Passa, a partir daquele dia, a usar quatro, pois lembra que também vai morrer (e pode ser bem antes do que imagina) e não quer que isso aconteça sem ter se dado esse prazer. Começa, então, a ter uma consciência maior sobre a imponderabilidade da existência. Como tudo é vulnerável e escorregadio, igual ao produto que tanto aprecia. E troca a economia pela generosidade. Consigo e com os demais.
Não foram raras as vezes em que me questionei, desde então, sobre como procedo em situações assim. Quero crer que a palavra guardar já não tem mais o mesmo sentido de antes. Aprendo a fazer uso imediato do que me traz alegria, que é o nome mais modesto da felicidade. Não consigo admirar pessoas que, tendo muito, agem como se fossem mendigas. Precisam mostrar ao mundo que tudo que adquiriram foi a duras penas e que, portanto, precisa ser gasto com parcimônia. Economizando, sempre economizando. Demonstra uma postura que independe da situação financeira. Nasce dentro de cada um a partir de sua predisposição para usufruir ou reter o que imagina que será sempre seu. É uma atitude que revela o quão equivocados podemos ser, mesmo tendo evidências da fragilidade de tudo. Não faço aqui a apologia do desperdício e da irresponsabilidade. Um olho no futuro demonstra certa maturidade, pois nada sabemos sobre o que nos espera mais adiante.
Aproveitar: é o verbo que deveríamos conjugar constantemente. Somos filhos do acaso e das circunstâncias. Hoje quem parte é um colega, um amigo, alguém da família. Mas poderia ter sido eu ou você. Mais tarde já pode ser tarde demais. Viaje, compre, gaste com o que mais lhe aprouver. Areje a sua mente e distribua o que talvez não lhe pertença em breve. Pense em seu próprio fim: agradeça por estar carregando tão pouca bagagem. E não esqueça de usar, sempre, quatro medidas. Para tudo.