Visitando uma exposição de artes plásticas, digo para minha amiga: Observe esses tons alaranjados em contraste com os verdes. É de uma beleza comovente. Vejo que ela se aproxima excessivamente do quadro, a ponto de seus olhos quase tocarem a tela. E me diz: é realmente maravilhoso. Só então me dou conta: sua visão é de apenas quinze por cento e não distingue as cores, vê tudo em preto e branco. Sua atitude diante da vida é tão afirmativa que constantemente esquece (esquecemos) desses seus limites. Uso inadequadamente esta palavra, e a prova é que raramente me lembro disso e converso como se a minha paleta e a dela fossem iguais. Paro um instante e ouço com mais atenção a sua fala generosa e exuberante. Nenhuma queixa, nenhum ressentimento, apenas a vida seguindo com suas possibilidades expandidas ou acanhadas. Tenho ao meu lado um ser humano que soube explorar com coragem e sabedoria uma situação que, a muitos, poderia paralisar. Mais: poderia auferir disso um sentimento de compaixão, exigindo que a percebessem como uma pessoa maltratada pela existência. O que constato, no entanto, é que é possível recusar o papel de vítima mesmo quando nos é cobrado um desempenho de excelência dispondo de menos recursos do que a maioria tem.
Opinião
Gilmar Marcílio: Limites
Cobramos privilégios que a natureza nem sempre está disposta a prover.
Gilmar Marcílio
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