No tempo em que havia tempo, quando criança ou adolescente, havia tempo para atentar sobre os insetos. E divagar como seria a existência, as peripécias, as dificuldades ou adaptações operacionais, o comportamento deles. Hoje não há mais tempo, definitivamente. Culpa da sedução da tecnologia, que nos suga o tempo pelo ralo. Cabe a nós encontrar tempo para voltar a admirar insetos, ou outras divagações ou reflexões existenciais, sempre úteis. Está nos fazendo falta jogar tempo fora. Resultado não é tudo.
Observávamos insetos que o vento ou a sincronia dos movimentos vitais colocava circunstancialmente diante de nós. Gafanhotos, por exemplo, eram um circunstante comum, aparentemente inofensivo, os que me lembro de coloração verde, em posição reverente ou meditativa. Havia tantos insetos, pequenos, grandes, com peculiaridades e formatos curiosos! Havia as numerosas formigas, as centopeias, havia o toca-viola, que tinha esse nome folclórico porque emitia um ruído característico quando em perigo. Havia e ainda há hoje em dia, todos eles, mas quase não os percebemos mais. Havia o solene e surpreendente louva-a-deus, parecido com o gafanhoto, mas de corpo aparentemente mais frágil, que parecia estar rezando. A grande dúvida sobre a espécie, que rendia conversas aleatórias, talvez disseminada por fake news, era sobre se o louva-a-deus era venenoso ou não. Não é, embora seja um predador razoável.
Pois bem, os gafanhotos estão de volta. E estão ali em Corrientes, na Argentina, onde vivem os correntinos, de quem ouvia histórias quando criança, a 150 quilômetros de Uruguaiana. Em nuvem, não são inofensivos, e devoram lavouras inteiras. Era o que estava nos faltando por aqui: gafanhotos numa hora dessas, em que uma pandemia nos esgota as energias e preocupações e nos concentra os esforços. E tivemos há pouco uma prolongada estiagem.
Assim sendo, nesta sequência, somos conduzidos a pensar na passagem bíblica das pragas do Egito, narrada em Êxodo, o segundo livro da Bíblia. Há uma dúvida sobre se eram 7 ou 10 pragas, não importa. Entre elas, há uma espécie de pandemia, sob forma de úlceras, e uma intempérie climatológica, sob forma de granizo. No comparativo com esses nossos dias ensandecidos, muda apenas a modalidade. E há os indefectíveis gafanhotos, que, desde então, destruíam lavouras. Eles estão lá, na relação de pragas. Na época, o reino do Egito, representado pelo faraó, se recusava a libertar os hebreus e deixá-los voltar para a chamada “terra prometida”. Não se comportava bem aos olhos do Senhor, e foi uma sequência de pragas. Inevitável lembrar agora. Obra dos gafanhotos.
A resultante momentânea de nossa trajetória nessa vida e nesse universo parece sugerir: não devemos estar nos comportando bem aos olhos do Senhor. Parece sintomático.