Sobre singular e plural, aprendemos na escola. É uma das lições básicas, iniciais da Língua Portuguesa. Ainda lembro, nos bancos do Grupo Escolar Demétrio Ribeiro, as primeiras professoras, a lousa, o giz, os alunos que ainda não dispunham de smartphones. Um só, singular; dois ou mais, plural. E daí decorrem repercussões dentro da própria sintaxe, que alcançam a regência verbal tão necessária, a popular concordância, a quem nem sempre se presta a reverência importante. Sujeito no plural, verbo no plural. Sem esquecer das exceções de praxe.
Assim era lá no início. Aos poucos, singular e plural foram se revelando conceitos mais amplos e essenciais. São conceitos complementares. Complementam-se à perfeição, para um bom entendimento da realidade. Como queijo e goiabada, café com leite e a eterna parceria Claudinho & Buchecha. Mas não vamos enveredar pelas duplas sertanejas, pois não é exatamente o caso.
Singular foi se mostrando, na evolução de nossa compreensão da existência, aquilo que é único. Que palavra, que ideia bonita. Cada um de nós é singular, tem sua singularidade. É assim ou é assado, ou o contrário, ou nem tanto, verso e reverso, o avesso do avesso, o meio termo, os diversos tons de qualquer cor. O universo das nuances. Juntos, somos plurais. A pluralidade somos todos juntos, e nossas diferenças. E a essas diferenças cabe respeito, pois cada um tem a sua. Cada um é singular, afinal.
Assim crescemos também como sociedade, uma soma de singularidades que cria a pluralidade. O plural se assenta no singular. E deixamos para trás tempos sombrios. Mas eles estão de volta, cada vez que se manifesta a censura, que se imaginava superada há décadas. Pois voltou, desembaraçada. A censura é um atestado inapelável de que os tempos obscuros voltaram. Na censura, vale o seguinte raciocínio: o meu singular, a minha vivência, vale mais que o singular dos outros. O meu singular – por graça divina, seria? – sabe o que é melhor para o singular dos outros, a pluralidade, e a ela se sobrepõe, a ponto de o singularíssimo Marcelo Crivella, prefeito do Rio, mandar recolher um romance em quadrinhos da Bienal do Livro para “proteger as crianças da cidade”. Ou uma exposição de charges na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, cancelada pela presidente Mônica Leal, que considerou parte dos desenhos ofensiva. Caxias do Sul já teve sua exposição Santificados proibida à visitação das escolas. São entendimentos singulares que atropelam a pluralidade, isto é, outras singularidades.
Pelo respeito ao singular! A cada singular. Pelo respeito à pluralidade! E pelo respeito à regência verbal, que faz o verbo concordar com o sujeito. São lições básicas.