Quando vejo minha filha saindo toda encapotada para pegar o ônibus e ir para escola num dia em que faz 5 graus, me dá pena. Mas então eu me lembro que fiz isso por muito tempo e aguentei o tranco um inverno após o outro. Na verdade, dificuldades constroem caráter quando encaramos o desafio de enfrentá-las com os recursos que temos.
O problema do mundo de hoje é que muita gente se acostumou a ficar confinada num espaço virtual asséptico e ilusório. Tudo parece lindo, interessante, positivo; se houver uma discordância, ela é resolvida com um clique. Há uma geração inteira de adolescentes, jovens e adultos infantilizados que se acostumou a “editar” e a “filtrar” o que não lhes agrada e seguir assim com as facilidades todas das relações sociais online. Só que a vida real não é assim: a natureza soberana, por exemplo, nos ensina que a vida é feita de ciclos, de altos e baixos, de dias bons e ruins, de águas tranquilas e de águas turbulentas, de dias frios e de dias quentes. Acima de tudo, a realidade é feita de contrastes e alternâncias.
Nada é fácil, grátis e lindo o tempo todo no mundo real. Tem que fazer por merecer as coisas boas e concretas. Parece que ninguém mais entende isso e quer soluções mágicas e instantâneas para praticamente tudo. Querem transformar privilégios em direitos, luxos em artigos de extrema necessidade. É uma geração que transforma qualquer pequeno contratempo numa verdadeira tragédia. Um exemplo recente tem a ver com os ingressos esgotados para o show da cantora norte-americana Taylor Swift. Ela é ótima mesmo, mas alguém realmente acha que é algum tipo de catástrofe não conseguir um ingresso para um show num estádio com capacidade limitada? Pois bem, para quem vive dentro da bolha de uma rede social, não estar no show mais badalado do ano é praticamente um atestado de morte social.
Essa turba delirante e histérica chegou até mesmo a “pressionar” políticos alinhados com essa galera jovem por meio de posts histéricos no Twitter para iniciar uma “investigação” sobre a venda de ingressos e a ação de cambistas neste caso. Resultado: a deputada Erika Hilton (PSOL - SP) pediu ao Ministério Público de São Paulo para investigar se houve algum tipo de dano aos direitos do consumidor por parte da produtora do show. Que vergonha saber que uma parlamentar vai usar os impostos pagos pelos contribuintes para lutar pela “causa importantíssima” de quem ficou sem ingresso para o show da estrela pop do momento.
O que me consola é saber que esse tipo de futilidade só tem relevância mesmo no mundinho raso de uma rede social. O futuro de verdade não será construído por gente otária que fica dormindo durante dias numa fila perto de um estádio para garantir ingresso para um show. O futuro será construído por quem sai de casa bem cedo, no frio, na chuva, pega trânsito e vai estudar, aprender, construir, trabalhar e prosperar.