Duas das mulheres mais inteligentes e que mais admiro na imprensa são a crítica de cinema Isabela Boscov e a jornalista Madeleine Lackso. Ambas bateram de frente com aquela militância digital histérica que finge defender uma causa quando, na verdade, apenas tenta lucrar e manter certos privilégios disfarçando sua “luta” como “busca por direitos e representatividade”.
Nada mais justo e correto que todas as crianças e jovens se vejam representados e valorizados nos produtos culturais que consomem: filmes, séries, desenhos animados, livros, games e outros. Semana passada estreou nos cinemas uma versão live action da animação clássica A Pequena Sereia, ambas produções da poderosa Disney. É importante explicar: a protagonista do filme, a sereia Ariel, é interpretada na nova versão pela linda e talentosa cantora, compositora e atriz Halle Lynn Bailey. Halle, por sinal, foi pivô de uma grande polêmica quando a produção foi anunciada, porque é negra e, segundo gente muito ignorante, não poderia representar a sereiazinha ruiva de olhos azuis do desenho animado.
Essa discussão acabou servindo para falar de representatividade no cinema e de como as meninas negras pouco se reconhecem nas personagens da Disney, o que é um fato. Tirando a excelente animação A Princesa e o Sapo (com a princesa favorita da minha filha, a batalhadora Tiana, que é negra), realmente é raríssimo vermos princesas afrodescentes nas produções da empresa. Contudo, a Isabela Boscov apenas fez o trabalho dela com a competência de sempre e criticou A Pequena Sereia de 2023 de forma técnica e criteriosa. Explicando claramente por que se tratava de cinema de má qualidade: falou da má atuação de grande parte do elenco (só elogiou mesmo a Halle Bailey por sinal), do roteiro fraco, da falta de carisma dos personagens, da trilha sonora que ficou muito aquém da versão original. Foi o que bastou para que militantes dos movimentos raciais “cancelassem” Boscov nas redes sociais.
Obrigar uma crítica de cinema a se calar sobre o fato de que um filme é ruim para evitar que atrapalhe a “luta” por representatividade dos povos afrodescentes é um absurdo. A militância digital histérica passou a semana inteira achincalhando Isabela Boscov, questionando seu conhecimento sobre a sétima arte, ofendendo, ameaçando, enfim, aquele show de horrores que se costuma chamar agora de “cancelamento”. Esse, aliás, é o tema do livro lançado pela jornalista Madeleine Lackso há poucos dias: Cancelando o cancelamento: como o identitarismo da militância tabajara ameaça a democracia. Com análises pra lá de embasadas, Lackso mostra que se exploram questões como identidade e representatividade apenas pelo lucro e pela manutenção de privilégios, sem realmente beneficiar as causas que pretensamente defendem. Uma leitura importante para separar o ativismo necessário e pertinente daquele ativismo delirante e interesseiro que as militâncias digitais promovem.