José Antonio Fernandes Martins completou 89 anos na semana passada, e o empresário que é sinônimo de relações institucionais da indústria da Serra está em plena atividade. Após mais de dois anos de pandemia, voltou a viajar para São Paulo e Brasília, onde trabalha na articulação das demandas do setor de mobilidade e da área da saúde.
Desde que deixou de atuar dentro da Marcopolo há três anos, Martins tem se dedicado mais ao negócio comandado pela família, a R2 IBF, que atua no segmento de medicina nuclear, e vai abrir duas novas fábricas no país.
Vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e presidente do Sindicato Interestadual da Indústria de Materiais e Equipamentos Ferroviários e Rodoviários (Simefre), Martins pretende voltar a articular um dos projetos que mais o projetou na história recente da fabricante de ônibus caxiense: o projeto dos ônibus escolares.
A seguir, além destas frentes, Martins destaca também outros de seus investimentos, como em quadros e vinhos, além de comentar sobre o que vislumbra no cenário macroeconômico para o perfil industrial regional. Confira a entrevista:
Como está a rotina de trabalho aos 89 anos?
Em março de 2019, encerrei minhas atividades na Marcopolo. Mas há 10 anos eu já tinha começado a R2 IBF de medicina nuclear. Compramos um cíclotron, equipamento que fabrica o fármaco FDG 18, que é o produto que tu injetas no sistema linfático para poder fazer o exame PET Scan, uma tomografia que, para ter a imagem, precisa dessa espécie de contraste, só que é nuclear. Começamos com esse negócio em Porto Alegre. Depois, médicos de São José do Rio Preto (interior de São Paulo) queriam fazer uma empresa semelhante e fizemos uma parceria. Fizemos após uma fábrica no Rio de Janeiro. E aí surgiu uma empresa em Curitiba que queria vender e nós compramos. Com tudo isso, montamos uma holding, em que ficamos com 60%. Estamos com quatro fábricas no país. Nós já compramos o terreno, e estamos em fase de construção de uma nova unidade em Vitória do Santo Antão (em Pernambuco), perto de Recife. Deve ficar pronta em um ano. Neste meio tempo, aqui no Rio Grande do Sul, a PUC também tinha um cíclotron no Instituto do Cérebro para pesquisa e eles nos procuraram porque queriam entrar no mercado. Fizemos uma negociação para, por 10 anos, representar o InsCer (Instituto do Cérebro), nós fazemos a venda de todo o material. Aí nós vamos levar nosso equipamento de Porto Alegre para o Nordeste. E vamos transformar a fábrica gaúcha para atuar com outros fármacos. E, paralelamente, estamos com terreno comprado em Mogi das Cruzes (também no interior de São Paulo) para uma nova fábrica. Vamos ficar com seis unidades.
O mercado de medicina nuclear está demandando muito?
Estamos fabricando 8,3 mil doses por mês. E de um outro fármaco específico para próstata são em torno de 400. No ano passado, o número de processos cancerígenos no Brasil atingiu em torno de 650 mil casos. Segundo especialistas, 70% dos doentes morrem por não terem um diagnóstico precoce, porque ele é caro e o SUS paga estes tipos de exames apenas para três tipos de cânceres. Nós queremos trabalhar para colocar no SUS todos os processos cancerígenos e aí, talvez, possamos até reduzir o preço.
Como foi mudar do setor de ônibus para o de saúde?
Eu, na realidade, sou um médico frustrado. Eu sempre quis ser médico, mas me encontrei com um amigo que estava no primeiro ano de Medicina no necrotério, que era do lado da escola de Engenharia, e ele disse assim: “Tu queres fazer vestibular para Medicina? Vamos ali no necrotério que vou te mostrar anatomia.” Eu fui lá e encontrei cabeça para um lado, braço para outro... Saí tão apavorado que atravessei a rua e me matriculei na Engenharia. Mas eu sempre tive essa tendência para a saúde.
Quem são os principais compradores, tem hospitais públicos também?
Para o governo vendemos pouco. Aqui no Rio Grande do Sul o único hospital público é o Clínicas. O resto é tudo hospital privado. Nós temos o Albert Einstein, o Sírio-Libanês, o Camargo (Câncer Center, de São Paulo). As grandes corporações são os nossos maiores clientes.
Como o homem das relações institucionais de Caxias passou esses últimos dois anos de pandemia?
Há dois anos que eu não estava indo mais para lugar nenhum. Foi tudo na base do vídeo. A gente sente falta. Agora eu já voltei a viajar. Voltei esta semana de São Paulo. Fui reeleito vice-presidente da Fiesp. Estou no cargo há 16 anos. Nós temos reuniões lá uma semana sim outra não. E agora começou em Brasília também esse movimento para flexibilizar o monopólio do governo na parte dos fármacos nucleares.
O senhor ainda é acionista da Marcopolo e administra outros investimentos, como quadros e vinhos...
Eu fiquei ações preferenciais da Marcopolo. Tu só esperas que o resultado seja bom. Eu tenho também as obras de arte. Acho que a minha pinacoteca é uma das maiores do Estado. Tenho um investimento grande em esculturas, e também em miniaturas. Tenho coleção de relógios, de objetos de viagens. Mas eu só compro, não vendo nada. O vinho eu sou um estudioso. O mais antigo que tenho é um exemplar de 1950 de Bordeaux. Eu tenho um do Barons de Rothschild de 1986.
E quando vai abrir?
Não sei, mas uma hora tem que tomar. Eu também produzi vinhos com a Vinícola Luiz Argenta. Fiz três safras. São de altíssima qualidade. É para dar de presente. É um vinho complicado de se fazer na nossa região que, por conta da insolação, vai ter grãos maduros e outros não. Eu fiz, como o Château Petrus (também de Bordeaux), que em cada cacho separa grãos de uvas maduras das que não estão boas. E eu fiz isso aqui e o vinho se torna caro porque quase metade da safra vai fora. Mas fica um vinho que é um negócio! Todo mundo quer comprar, mas eu digo que não dá para vender.
Se fosse dar conselhos para investimentos qual seria?
O pessoal da nossa região, com muitos italianos, gosta muito de imóveis, de terrenos e casas. Eu sou avesso a isso. Eu tenho terreno, mas não gosto. Prefiro mil vezes gastar R$ 1,5 milhão por um bom quadro do que uma casa. A casa se deteriora, perde valor com o tempo, e o quadro só aumenta seu preço. Quadros que eu comprei há 30 anos por 30 mil dólares hoje valem R$ 1,5 milhão.
Como enxerga a situação econômica atual?
Como um cenário de extrema incerteza. O que eu disse esta semana na Fiesp é que estamos atravessando eleições no Brasil, onde basicamente temos um bipartidarismo, porque eu não acredito em uma terceira via. Temos a questão dos juros, esse negócio do (Vladimir) Putin (referindo-se à Guerra da Rússia com Ucrânia), que ninguém sabe onde ele quer ir... Falei com muitos banqueiros em São Paulo e executivos de altas finanças e a palavra-chave é incerteza.
Mas essa palavra é muito comum no Brasil. O que precisa para melhorar?
O problema no Brasil é que precisamos nos definir. Uma hora quer uma coisa, outra hora é outra. E aí veio a pandemia que dilacerou muitas empresas, também criou situação que não se esperavam. Quem ia esperar que o setor de cargas fosse assumir o desenvolvimento que assumiu? Olha o balanço da Randon. Nunca vendeu tanto. Mas os especialistas estão dizendo que o mundo não volta. Nessa área de implementos dizem que, dentro de dois anos, o mercado começa a cair, porque venderam caminhão até não poder mais. A agricultura está chegando ao ponto onde não tem mais para onde ir. Há investimentos pesados na área de ferrovia. A tendência é estabilizar a área de implementos como aconteceu com os ônibus, que jamais vão voltar ao que produzia há 10 anos. De 27 a 28 mil ônibus ao ano, hoje são 19, 21 mil... O ônibus escolar, que foi um trabalho que eu encampei, hoje tem dado um bom fôlego. Mas com essa inflação altíssima, enquanto não se definir essa questão da Rússia, o petróleo não baixa de preço e arrasta toda a economia.
Como enxerga o futuro das indústrias de Caxias?
Falando em Marcopolo, teve esse período em que 30% do mercado caiu, tanto que as ações estavam entre R$ 6 a 7 e hoje estão entre R$ 2,60 e 2,70. O impacto é muito grande porque a lucratividade sumiu, pois ninguém andava mais de ônibus. Agora o mercado de turismo está voltando. Uma passagem de Porto Alegre para Congonhas custa R$ 3,3 mil. Uma ida e volta custa R$ 6,6 mil. O voo que peguei está pela metade, porque o povo não vai aguentar isso. Está começando de novo o pessoal a ir de ônibus para São Paulo, Curitiba, Santa Catarina... Então a venda de modelos rodoviários não vai ter uma explosão de vendas que tinha, mas começa a buscar um novo patamar no mercado, mas um patamar que deve permanecer por uns bons tempos. Ele deve melhorar bastante, principalmente no setor de turismo de média e pequena distância. O de longa distância é uma incógnita que vai depender de como vai ficar a aviação, pois as companhias sofreram com essa pandemia. Eu vejo para nossa cidade uma recuperação boa da Marcopolo em termos de transporte coletivo por ônibus. O trem aqui vai pouco nos afetar, porque tem muita concorrência de empresas de fora. E a eletrificação automotiva vai vir forte e com uma velocidade muito maior do que a gente pensa, porque o petróleo está chegando a um preço que está tornando os veículos a diesel inviáveis. Abre-se uma porta para o elétrico desde que não tenhamos o preço da energia elétrica disparando.
E estamos preparados para o elétrico?
Essa é a minha grande dúvida: o Brasil tem energia para suportar uma eletrificação violenta da frota particular e comercial? Capacidade de produzir elétrico tem. É só ter componentes. O que o país não tem ainda é bateria e motores elétricos. Agora parece que está entrando. Mas, para projetar, montar e vender, o que vai precisar é ter preço. O ônibus elétrico é muito caro, porque bateria e motor são caros. Precisaria o governo estudar um apoio forte na fabricação de componentes elétricos e, talvez no período de importação, reduzir essa tarifa.
Quem está fazendo esse trabalho com o governo que você fazia?
As empresas que não tiverem mais esses criadores vão perder espaço, porque hoje só viver de grandes ideias e startups não dá. Estava lendo que as startups estão chegando a um nível de saturação, que está jogando desempregados por conta da loucura que criaram. O negócio que criei do ônibus escolar é um exemplo de criação que deu certo, porque criei um cliente diferente. O G7, o G8 (modelos de ônibus da Marcopolo) são ótimos, mas o cliente é sempre o mesmo. Tem que criar mercado com novos compradores. Quando comecei a regulamentação para criar uma norma brasileira para o ônibus escolar, assim como fizemos para o programa Caminho da Escola no meio rural, eu queria um modelo semelhante para a cidade. Fizemos reuniões, mas não avançou e agora estou retomando isso. Hoje o Denatran me informou que tem mais de 110 mil veículos sem regulamentação transportando as crianças nas ruas. Temos uma frota com uma média de 20 anos. Com uma média de troca de frota de 5% ao ano, poderíamos ter até dois mil ônibus novos a disposição do mercado. Esse setor escolar, que eu venho me dedicando há tempo, porque estudei muito, produz de 30 a 35 mil bus schools por ano nos Estados Unidos. Tem o souvenir desse ônibus escolar. No cinema, ele aparece em qualquer filme americano. Virou um ícone. É o que eu quero fazer no Brasil. Na área rural eu consegui fazer, e na área urbana estou agora com projeto pronto. Precisamos de uma norma que diga como o ônibus escolar teria que ser, porque hoje não tem. Tem van, ônibus, micro-ônibus, Kombi, “pau de arara”, tudo que é tipo de veículo transportando as crianças, e eu quero regulamentar isso.