Na primeira entrevista do CEO da Marcopolo, após o anúncio de que deixará o comando da companhia em março do ano que vem, James Bellini detalha o planejamento de governança da companhia e a escolha do sucessor André Vidal Armaganijan, hoje diretor de Negócios Internacionais da fabricante de ônibus.
Além disso, o integrante da família fundadora da Marcopolo destaca as novas frentes de atuação da multinacional, com destaque para a homologação do primeiro ônibus elétrico do Brasil. A seguir confira também as expectativas de mercado para 2022 e o reflexo em contratações:
Há quanto tempo vocês planejavam a sucessão anunciada nesta semana?
A gente estava trabalhando desde 2019 quando o então CEO Francisco Gomes Neto foi para a Embraer. Em seguida, veio a pandemia. Como mudou tudo e foi um impacto muito grande, havia a necessidade de se fazer uma reestruturação profunda para passar por ela, se não com resultados positivos, mantendo a saúde financeira. Pela magnitude do momento, o Conselho de Administração entendeu que era melhor eu permanecer.
Isso significa que já estava nos planos promover a CEO alguém de dentro da Marcopolo?
Desde o início, o plano era esse porque a gente tem um corpo de executivos muito competente. Nada melhor do que dar oportunidade para as pratas da casa porque nos motiva a manter a garra e energia que valoriza os profissionais. O último CEO que tinha vindo de dentro foi o Carlos Zignani, antes ainda do José Rubens de la Rosa. Depois veio o Francisco, e eu, que assumi para esses, praticamente, quatro anos de transição.
Como foi a seleção do sucessor?
Nós tínhamos realmente bons candidatos, não só o André. Ele acabou sendo escolhido, porque passou pela área de estratégia, tem a estratégia da empresa muito clara, além de um pensamento estratégico e de dominar as operações internacionais. Ele tem uma formação acadêmica muito sólida e conhece muito bem a empresa. Era o nome mais adequado para este momento. A decisão ocorreu no final do ano passado. Em novembro, acabamos batendo o martelo no nome dele, mas decidimos esperar a assembleia para fazer a divulgação. Não necessariamente o fato de ele ser especialista no mercado externo significa que o nosso foco será esse. Ele ser do mercado externo ajuda, mas a empresa vai continuar global. Inclusive, é muito importante esse equilíbrio. Alguns momentos o mercado externo vai melhor que o interno e vice-versa. E é isso que nos ajuda a enfrentar crises, exceto a da covid-19, que foi mundial.
E como será a transição?
Eu passarei para o Conselho de Administração quando o André Vidal Armaganijan assumir e vou estar sempre muito próximo da operação, porque tenho conhecimento histórico. Antes de assumir como CEO, trabalhei por 15 anos na companhia. Conheço muito bem o mercado, porque sempre fui de uma formação comercial, trabalhava na área de exportação nos anos 1990. Fui executivo de mercado externo de 1996 a 2006. Tenho bastante bagagem daí. Nesse ano, não muda absolutamente nada, porque eu continuo na função de CEO. Nós vamos buscar agora alguém para a vaga de diretor de negócios internacionais. O que vai ocorrer é um processo de mentoria. Um dos fatores que mais nos ajudaram nessa crise foi a união do time. Não adianta colocar foco no problema, tem que colocar o foco na solução. A interface entre as áreas, muitas vezes, é colocada de lado. O trabalho de quebrar nichos internos e transformar empresa tem que continuar. Estou falando do conceito de mudança cultural que é sempre muito complexo, especialmente em companhias com nossa envergadura, com 72 anos de histórica.
Quais são os teus planos futuros após deixar de ser CEO?
Meu plano para longo prazo é permanecer na presidência do Conselho de Administração. A gente tem definido na nossa governança que gostaríamos de sempre ter um controlador no Conselho. E também não podemos ter um executivo principal da empresa que, ao mesmo tempo, seja conselheiro. Por isso, optamos por ter um membro da família no Conselho e um executivo contratado.
Falando agora em mercado, como foram os três anos no comando até agora?
Nos últimos dois anos, a Marcopolo passou por uma verdadeira revolução. O mercado de rodoviários, nosso principal segmento, desapareceu. Por conta disso, tivemos que fazer profundas reestruturações. Reduzimos o custo fixo em aproximadamente 30%. Promovemos o fechamento definitivo de duas plantas, do Rio de Janeiro, e do bairro Planalto, em Caxias. Isso estava no radar e tivemos que acelerar esse processo. Não teve como segurar o que estava planejado para ocorrer agora em 2022. Conseguimos ainda tornar rentável as plantas de São Mateus (ES) e San Marino (Ana Rech), que até 2019 não eram. Vendemos nossa participação da Tata Motors na Índia e o resultado ajudou muito em 2020. Ele foi positivo mesmo com a queda de 50% no volume de carrocerias no Brasil. Tivemos aumento do custo de materiais. Nunca se teve uma inflação tão pesada, acima de 60%. Com um mercado inexistente, com clientes com sérios problemas financeiros, repassar essa inflação para o mercado foi realmente difícil. Mas, mesmo assim, conseguimos resultados, tanto em 2020 quando em 2021, inclusive pagando dividendos. Conseguimos reforçar o market share (participação de mercado) da empresa. Em 2019, era 55%. Em 2021, passou para 60%. Os créditos tributários também auxiliariam no resultado, apesar de não ser caixa, mas conseguimos manter o nível de caixa saudável.
E o que está previsto para 2022?
Acreditamos no retorno do segmento do transporte coletivo. Esse aumento de combustíveis está trazendo, de certa forma, um impacto positivo para nós. O preço das passagens aéreas está subindo muito. Viajar de carro não vale mais a pena. Esse público acaba indo para o ônibus e fomenta a demanda que é nossa aposta de 2022. Já estávamos vendo resultado concreto neste primeiro trimestre. O final do ano passado já foi muito bom. E hoje já temos uma carteira de médio e longo prazo.
Em julho vai completar um ano do lançamento da Geração 8 de ônibus rodoviários da Marcopolo. Como está sendo a demanda?
Tem sido um tremendo sucesso. Tivemos clientes como a Águia Branca, no lançamento, e depois vieram grupos grandes, como a Catedral de Brasília, a Viação Garcia, do Paraná. E o sucesso foi tanto que já estão repetindo compra. Também estamos com vendas significativas para a Argentina. Percebemos que esses clientes têm conseguido atrair mais passageiros por conta da novidade do G8.
Em ano de eleições, muito se fala em eletrificação de frotas elétricas no país. Qual a visão da Marcopolo sobre isso?
Falando em elétricos, nós temos uma tremenda novidade. Esta semana concluímos o processo de homologação do Attivi, nosso ônibus 100% elétrico. Foi uma grande vitória, porque é o primeiro ônibus elétrico integral homologado no Brasil. É um marco na nossa história. A partir de agora, o modelo está apto a ser comercializado. Já estamos com uma programação de produção de 30 ônibus para esse ano. A produção deve começar no segundo semestre, mas com ideia de serem produzidos neste ano. Também já estamos trabalhando com prefeituras que têm interesse nesse produto.
E onde será a produção?
Ela poderá ser em Caxias ou em São Mateus (ES). Estamos estudando qual a melhor planta para essa produção.
E em que outros produtos vocês estão apostando para 2022?
Durante a pandemia também tivemos o lançamento do Prosper VLT, o nosso trem. Entramos em um modal novo. Algumas pessoas já viram ou andaram nesse trem que está em Bento Gonçalves, na Giordani Turismo. A gente acredita que foi um segmento em que foi muito importante manter os investimentos, pois nos traz perspectivas de diversificação. A montagem é em Ana Rech. Por ainda serem poucas unidades, ainda não justifica uma estrutura exclusiva para isso, mas, à medida que vai aumentando, certamente vamos ter que montar uma linha, possivelmente em outro lugar.
Muitas companhias do ramo automotivo também estão expandindo os serviços. Como vocês enxergam esta frente?
Estamos trabalhando bastante nisso e uma das áreas que vai trazer bastante demanda é justamente essa. À medida que vai vendendo trem, vai se vendendo também os pacotes de assistência que viram receita recorrente, porque a vida útil de um trem é muito maior que a de um ônibus. Outras áreas, como a própria engenharia, têm segmento de serviços que já estão começando a funcionar. Temos ainda a Consulting, assessoria para prefeituras e cidades para sistema de transporte, porque o elétrico é modelo totalmente diferente que vai exigir uma estrutura, parceria com empresas de energia elétrica que vão garantir abastecimento, um ecossistema completamente diferente.
Em termos de empregos, a Marcopolo vem contratando desde o final do ano passado. Será possível repor o quadro de antes da pandemia?
Só nesse primeiro trimestre, com essa retomada de mercado, contratamos cerca de 800 pessoas e vamos seguir contratando no ritmo proporcional às vendas. Devemos ultrapassar a marcas das mil contratações. No total, tivemos uma de redução de quadro maior pela reestruturação que a Marcopolo passou, mas essas contratações marcam uma tendência muito interessante. Temos que tomar cuidado para não contratar além da conta para que um soluço do mercado não nos obrigue a demitir novamente. Vamos seguir um ritmo mais cauteloso, porém crescente. O mercado deve realmente voltar a patamares de 2019.
As ações da Marcopolo recuaram cerca de 25% em três anos enquanto o Ibovespa subiu 27% no mesmo período. Com a melhora de cenário do mercado, será possível recuperar esse cenário?
É só uma questão de começar a aparecer o resultado desse trabalho todo e profundo que foi feito nesses últimos anos. As ações sofrem impactos externos, da própria pandemia, agora tem a guerra que causa um certo temor, as eleições... É muito difícil fazer projeções pelo externo, mas no que tange a recuperação da empresa, em apresentar resultados, temos absoluta segurança que o valor da ação deve retornar. Apesar da crise, com tudo que aconteceu nesses dois anos, ainda assim a Marcopolo teve a coragem de continuar investindo em projetos estratégicos importantes, como o Ativvi, o Prosper, o G8. Foram R$ 238 milhões investidos nos últimos dois anos nestes projetos. É o que vai nos garantir ter produto a altura para o projeto de crescimento da empresa. Quando a maioria das empresas se encolhia, parava investimentos, nos estruturamos em duas frentes. Primeiro garantir a sobrevivência e o break even (o ponto onde não há mais prejuízos) da operação. E outra frente tratou da da visão estratégica, dos investimentos que não poderiam parar.