Poderia ser um novo loteamento, um parque fabril, um centro de distribuição de uma grande rede de varejo, mas uma área urbana de 25 hectares com centenas de pinheiros, parreiras e galpões centenários em Ana Rech vai recriar a origem de Caxias do Sul e da Serra gaúcha como um todo.
Empresário fundador da Neobus, Edson Tomiello é quem está capitaneando a construção de uma vila histórica que pretende resgatar duas culturas que marcam a cidade: a colonização italiana e o tropeirismo. O empreendimento turístico, que promete ser um marco para o desenvolvimento do setor em Caxias, vai se chamar Villa dei Troni, que significa Vila do Trovão, já que este é o apelido do idealizador do parque temático.
Sempre fui do ramo da indústria, mas agora eu quero valorizar quem construiu a colônia, quero homenagear os nonnos, e integrar com a história do tropeirismo.
EDSON TOMIELLO
idealizador da Villa dei Troni
O empreendimento fica nos fundos do moinho da antiga cooperativa de Ana Rech. Quem passa por ali tem a oportunidade única de ser transportado do passado ao futuro. Ao mesmo tempo que vai observar construções originais, como galpões que abrigavam mulas e animais erguidos em 1876, uma casa com porão de pedra de 1926, também é possível acompanhar uma nova cidade nascer.
Na última semana, acompanhamos um pouco dos trabalhados de construção desta vila história. Enquanto um operário concluía o telhado da casa que vai representar a hospedaria de Ana Rech, fundadora da localidade, outros trabalhadores preparavam as tesouras para a cobertura da igreja. Uma gruta religiosa havia sido transportada há poucos dias. Pesando 30 toneladas, foram necessários três guinchos para inseri-la na Villa dei Troni.
Todo este esforço tem uma motivação especial que vai além do investimento de cerca de R$ 25 milhões para a montagem do complexo turístico:
— Sempre fui do ramo da indústria, mas agora eu quero valorizar quem construiu a colônia, quero homenagear os nonnos, e integrar com a história do tropeirismo. Quero poder mostrar uma das primeiras colônias de Caxias e a última colônia original preservada desde 1876, quando foi comprada do Brasil Império. Será um retrato ao vivo da história real do nonno — projeta Trovão.
Mais do que construções antigas e estáticas, a intenção é que o visitante sinta a cidade em movimento como era no final do século XIX. Moinho, serraria, alambique, tudo que a propriedade chegou a ter no passado e que constituía as antigas cidades da região, deverão integrar uma série de 20 construções que vão funcionar de verdade no parque.
Com a hotelaria, em uma segunda fase do projeto, serão 55 obras e mais de 600 projetos. Em vez de carros, os visitantes vão se deparar com as mulas transportando uva, trigo e o que será produzido de verdade na propriedade. O turista poderá ver ainda a produção em vimes, outras características que faz parte da história econômica da localidade.
FAMÍLIAS HOMENAGEADAS
A Villa dei Troni será um museu a céu aberto. O acervo da vila histórica já conta com mais de 1,5 mil itens que agora estão em fase de catalogação para a posterior organização no parque. Entre as raridades, Trovão tem lampiões que teriam pertencido à Ana Rech, o tambor tocado pelos moradores do bairro quando tentaram se emancipar de Caxias e até a primeira central telefônica do histórico hotel Bela Vista situado na localidade e o veículo que serviu de primeiro táxi de Caxias, um Dodge 1920. Boa parte deste material está sendo doada pela comunidade.
As famílias que contribuíram com acervos históricos serão homenageadas com seus nomes expostos pela vila. A participação dos moradores antes mesmo da divulgação do empreendimento mostra desde já o engajamento com o projeto que pode representar uma retomada do protagonismo turístico que Ana Rech teve muito antes de outros destinos turísticos que hoje são os mais disputados do Estado, inclusive na Serra.
A experiência da Casa do Nonno
A principal inspiração para o investimento na Villa dei Troni veio da descoberta de que a área que Trovão pretendia comprar pensando em outros negócios tinha construções feitas pelo avô (esta história será contada pelo jornalista Rodrigo Lopes, da coluna Memória, na próxima semana). Mas a experiência de sucesso com o resgate das tradições coloniais o fundador da Neobus já teve antes. Nos fundos da fabricante de ônibus, hoje pertencente a Marcopolo, o empresário construiu a Casa do Nonno:
— Os maiores negócios de ônibus que fechei no Brasil saíram dali enquanto a gente mexia a polenta — conta Tomiello.
Uma das principais aposta do "prefeito" da Villa dei Troni será proporcionar experiência de imersão.
— Para mim turismo é contar uma história. Ou ela é inventada ou é real, como nós vamos contar aqui.
A ideia é que na entrada do parque o visitante já possa adquirir o chapéu de palha, a sporta (bolsa feita com palha de trigo) e outros adornos para se inserir na realidade da vila histórica.
— Queremos relembrar situações cotidianas dos nossos nonnos, como trocar o sapato para entrar na igreja— exemplifica.
O local deve sediar, inclusive, eventos religiosos, como procissões, assim como a chegada de tropeiros. A ideia é que o visitante passe o dia no parque, desde a alvorada festiva até que o sol se ponha e a cidade fique iluminada por lampiões. A ideia é trabalhar também com espetáculos de som e luz.
O conceito do projeto
O arquiteto Roque Frizzo foi quem recebeu o desafio do projeto que pretende dar vida a uma vila do fim do século 19. Por isso, estabeleceu alguns pontos de partida, entendendo que as colônias se ergueram por meio da fé, do trabalho e da culinária.
— Não se trata de uma reconstrução, reprodução, ou qualquer pretensão de restauro histórico, queríamos saber como foi essa jornada, queríamos vivê-la. A proposição é a de que a imersão traga luz à vida, à rotina, às proezas, à lida na colônia, à fartura e à falta dela— explica Frizzo.
Há também elementos contemporâneos, principalmente em um dos restaurantes que será construído. Mas ele terá materiais semelhantes aos que foram utilizados no passado, tijolos feitos a mão e pedras empilhadas, por exemplo.
Previsão de inaugurar em 2024
As obras do parque temático em Ana Rech começaram neste segundo semestre. A construção da Casa de Ana Rech, Igreja e a Casa do Padre são as mais avançadas. Em fevereiro de 2022 está previsto o início da construção dos restaurantes. Até 2023 a expectativa é concluir todas as obras físicas para iniciar instalações de mobiliário, treinamentos de equipe e toda organização da gestão do parque.
A previsão é abrir o empreendimento em janeiro de 2024, em caráter experimental, para receber grupos da comunidade de Ana Rech e Caxias. E, em fevereiro de 2024, aproveitando a safra e a Festa da Uva, promover a inauguração para o público em geral. O empresário projeta que o negócio deve gerar cerca de 200 empregos.
A expectativa é de que o parque, nos seis primeiros meses de seu funcionamento, receba cerca de 1,2 mil visitantes/dia em finais de semana e feriados, e 150 visitantes por dia durante a semana.
Segunda fase prevê estrutura hoteleira
Numa segunda etapa, o parque abrigará espaço para hospedagem dos visitantes, com a construção de aproximadamente 40 chalés, em um projeto de interação com o meio ambiente. As construções devem ser distribuídas entre os parreirais. A intenção de deixar a estrutura hoteleira para um segundo momento é também para poder construir de acordo com o movimento que for registrado com o parque.
— A vila prospera, os colonos também. Depois da ferraria, da olaria, da serraria e do moinho de trigo será a vez de novos ofícios se estabelecerem. A vila operária será um hotel, numa tipologia chamada hotéis dispersos, onde as habitações distribuem-se num espaço amplo — adianta o arquiteto.
PRINCIPAIS INSTALAÇÕES E ATRATIVOS QUE VÃO CONSTITUIR O PARQUE
Casa de Ana Rech: Réplica da hospedagem que pertenceu a fundadora da vila (em construção).
Igreja: Capela com capacidade para aproximadamente 120 pessoas, onde poderão ser celebradas missas, casamentos, batizados e outros (em construção).
Casa do Padre (em construção).
Salão Paroquial (a ser construído próximo da igreja).
Casa original: Com dois pisos e porão de pedras, foi construída no ano de1926. Está sendo restaurada e será transformada em museu com objetos, utensílios e materiais adquiridos e preservados pelas primeiras famílias que habitaram o local e também Ana Rech.
Gruta de pedra: Construída na década de 1950.
Galpões: São duas construções de madeira nativa. Um deles servia como estrebaria e foi construído há mais 130 anos. Eles também serão transformados em museus.
Restaurantes: Serão dois empreendimentos com capacidade estimada para 150 pessoas cada, que oferecerão, com predominância, cardápios baseados na gastronomia italiana.
Coreto: Será construído no centro do parque, em frente à igreja, proporcionando espaço para realização de eventos ao ar livre, como apresentações de corais, grupos folclóricos, bandas, além de encenações teatrais.
Réplicas: Moinho, olaria e serraria que eram utilizados pelos antepassados da localidade (com construção a ser iniciada em breve).
Casa da Vime: Projeto que tem como objetivo mostrar aos visitantes como foi o início da industrialização da Vila de Ana Rech e a importância desse produto na economia local.
Passeios de carretão: Serão operados por carretas antigas utilizadas pelos agricultores e tropeiros desde o início da formação da vila.
Pórtico de acesso: Com definição arquitetônica fundamentada nas características do local.
Estacionamento: Para automóveis, ônibus, vans e outros veículos, em um total de aproximado de 500 vagas
Natureza: Interação dos visitantes com o meio ambiente e o entorno por meio de trilhas e caminhos de acesso à mata, vegetação, riacho, cachoeira, parreirais e outros espaços.