Franca Stedile Angeli, 50 anos, assumiu, no ano passado, uma posição estratégica em uma das maiores empresas farmacêuticas do mundo e cuja marca está muito presente na cabeça dos brasileiros em função da vacinação contra a covid-19. A caxiense é a diretora sênior no Global Clinical Development da Pfizer, nos Estados Unidos.
Filha de José Angeli e Dolaimes Stedile Angeli, neta de Francisco Stedile, fundador da Agrale e da Fras-le, Franca iniciou sua carreira profissional como gerente de banco. Formou-se em administração de empresas com ênfase em finanças pela UFRGS, mas depois fez Medicina pela UCS. Franca recebeu seu doutorado pela PUC-RS e completou seu pós-doutorado pela Universidade do Texas, na cidade de Houston (EUA).
Com 17 anos de residência em solo norte-americano, acumula no currículo trabalhos em pesquisa e desenvolvimento na Universidade do Texas, na Universidade da Califórnia e na Universidade da Pensilvânia. Também atuou em pequenas e médias empresas farmacêuticas, incluindo duas startups como co-fundadora, até assumir o posto na Pfizer. Sua base atual é a cidade de Haveford, na Pensilvânia, onde mora com o marido norte-americano Bruce, o filho Daniel e o cachorro Jack. Sua área de atuação terapêutica inclui doenças raras e cardiologia. Franca ainda é sócia da JDA Participações em Caxias do Sul, com os irmãos Fúlvia e Sandro. Confira a seguir a entrevista:
Como foi mudar de uma área de formação como a de Finanças para a de Medicina?
Nos meus anos formativos, as duas disciplinas claramente se separavam. Mas os divisores ficaram menos claros com o passar dos anos, quando os conhecimentos adquiridos me permitiram desenvolver e cultivar uma visão multidisciplinar nos meus grupos de trabalho. De certa forma, os mercados financeiros nada mais são do que complexos ecossistemas, onde diferentes espécies competem, evolvem e se adaptam constantemente. Podemos traçar uma linha direta entre biologia e o mercado financeiro e, quando fazemos, beneficiamos ambas as disciplinas por trazer novas perspectivas na solução de problemas comuns a ambas.
Como a junção dessas tuas áreas te auxiliam no desafio de desenvolver produtos para atender o mercado global?
Em qualquer indústria, multidisciplinaridade e diversidade de perspectivas são fundamentais no desenvolvimento de produtos visando atender a um mercado global. Com certeza, o fato de eu ser uma mulher latino-americana e a formação multidisciplinar foram e continuam sendo aspectos fundamentais na minha carreira e nas perspectivas que eu trago para os nossos grupos de trabalho.
O que levou a mudar de área profissional e de país?
Minha trajetória profissional tomou novo rumo após o falecimento da minha mãe, Dolaimes Stedile Angeli. Em busca de novas terapias para tratar seu câncer, ela iniciou um tratamento que na época estava em fase experimental. A trajetória dela teve um imenso impacto no rumo da minha. Cursei Medicina e iniciei nova carreira voltada ao desenvolvimento de novas terapias voltadas à melhora da longevidade e qualidade de vida dos pacientes. Nos Estados Unidos, eu encontrei o ambiente e as ferramentas para meu desenvolvimento profissional e pessoal. O respeito às liberdades individuais, a celebração da diversidade de perspectivas e o acesso constante a novas tecnologias e capital tornaram os Estados Unidos o palco ideal para a captação e desenvolvimento do talento humano para o sucesso da indústria farmacêutica.
Até pela visibilidade da Pfizer, como está sendo liderar o desenvolvimento de produtos farmacêuticos?
A mudança mais marcante foi a passagem de um ambiente de trabalho semivirtual para um modelo 100% virtual. A pandemia impulsionou o desenvolvimento de tecnologias de comunicação e monitoramento de processos, acelerando o desenvolvimento de novos desfechos clínicos centrados no relato dos pacientes. O programa de vacinas é o exemplo máximo, em que a cultura de autossuperação e inovação voltadas à busca de terapias transformativas venceu obstáculos e mudou paradigmas na nossa indústria. Agora temos que continuar este legado em outras áreas terapêuticas.
Agora, como uma caxiense que vive nos Estados Unidos, como é sentir na prática os efeitos da vacinação por aí?
O efeito da vacinação e do desenvolvimento de imunidade coletiva é visível no declínio do número de novos casos, de pacientes hospitalizados e de mortes associadas à infecção. Quanto maior a proporção de pessoas vacinadas, menor o número de casos positivos e mais perto do final da pandemia.
E como é quando você conversa com os familiares?
Antes do falecimento do meu querido pai, José Angeli, eu ligava diariamente para ele usando linha telefônica convencional. Tenho saudades das nossas conversas diárias e do resumo das novidades da região que ele me repassava. Agora, converso com minha família usando diferentes plataformas de comunicação virtual. Procuro ir a Caxias do Sul pelo menos uma vez por ano para rever meus irmãos Fúlvia e Sandro e suas famílias.
Como uma mulher no comando que tem outra irmã atuando na linha de frente em Caxias, como compara as realidades para mulheres líderes de um país para o outro?
Tenho grande orgulho do caminho trilhado pela minha querida irmã Fúlvia. Ela é um exemplo de perseverança e dedicação ao desenvolvimento regional. Liderança e capacidade profissional não estão atreladas ao sexo, cor ou credo. Organizações bem-sucedidas e preparadas para as mudanças de mercado entendem isto. Infelizmente, acesso às oportunidades de liderar e de desenvolvimento profissional não são igualitariamente distribuídas ao redor do mundo, ou entre diferentes corporações em uma mesma região. Cabe a cada um de nós fazer a diferença, e a diferença pode iniciar no simples ato de focarmos nossa atenção mais no conteúdo do que no pacote.