Bióloga, professora e pesquisadora do Instituto de Biotecnologia da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Suelen Paesi descreve seu ambiente de trabalho de uma forma convidativa: “é um pedacinho do primeiro mundo aqui”.
Coordenadora do 3º Fórum Sul-Brasileiro de Biogás e Biometano, que será realizado de 29 de março a 1º de abril, de forma online e gratuita, ela aponta a seguir alguns caminhos que podem ser percorridos para, de fato, o Sul do Brasil aproveitar mais o potencial energético a partir dos resíduos produzidos.
Há quantos anos estuda especificamente esta área?
Há mais ou menos oito anos o biogás, mas a identificação de micro-organismos vem desde o início da minha formação há 30 anos. Apesar de ser bem difundido por países que já usam o processo, como a Alemanha que gera biogás de forma tecnológica há mais de 100 anos, nós estamos acordando tarde para este tema. Ele ainda engatinha no nosso país. Nós temos um trabalho realizado pela CIBiogás (instituição de ciência e tecnologia, em formato de associação) que é o mapa de aplicação no Brasil. Mas quando olho para ele me dá até um mal-estar, porque você vê que todas as aplicações estão no centro do país. Lá foi mais dinâmico porque a produção de álcool gera vinhaça, um resíduo tóxico, que lá eles já convertem em biogás. Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná têm uma grande quantidade de usinas de biogás de vários tipos de resíduos, desde o urbano até o agro. E no Sul temos poucas. Além de resolver o problema dos resíduos, produz energia limpa que inclui na matriz energética um novo tipo de alternativa, não tão dependente das hidrelétricas e combustíveis fósseis. Mesmo com os governos incentivando, em certas regiões o biogás ainda não aconteceu.
Hoje é mais comum a aplicação do biogás no agronegócio, mas com o dólar pressionando o preço de combustíveis, como tornar a transformação dos resíduos em alternativa não só para empresas, mas para a população em geral, no transporte?
Qualquer matéria orgânica, tem grande possibilidade de ser convertida em biogás. Dentro do biogás, tem o metano, que pode ser usado no fogão, como energia elétrica e também no transporte como combustível. A Itália, em Modena, tem todo transporte púbico movido a metano. Me parece que falta um pouco de unidade entre a questão pública e privada. Falta uma visão do todo para se unir a fim de proteger o ambiente e produzir energia. Um pequeno produtor de um sítio consegue gerar biogás quando se une com outro. No Paraná, a CIBiogás tem um case de um consórcio de produtores. Um condomínio com grande quantidade de resíduo de suínos que converte em biogás e produz energia que é abatida das contas elétricas. Essa visão coletiva que nos falta.
Como o fórum promove esta união e como fazer isso com a pandemia?
Nosso fórum sempre foi presencial. Esse contato pessoal é importante no que diz respeito aos negócios. As empresas que produzem insumos para geração de energia, as válvulas, redes, tudo isso é apresentado in loco. Mas essa nova versão online, por incrível que pareça, vai nos dar vantagem. Primeiro, a segurança por conta da pandemia, mas ela vai congregar grupos de pessoas que não poderiam estar presentes se fosse presencial. Até mil pessoas poderão participar de um evento online. E os nossos apoiadores vão mostrar vídeos. Se reunirão em salas online. Além de reunir todo o Sul do Brasil, a vantagem do online é que poderemos mostrar um projeto apoiado pelos países do Reino Unido, que se preocupam com a energia no Brasil, e que vão mostrar as tecnologias do setor.
Como transformar esse fórum em debate permanente para ampliar o aproveitamento deste potencial energético?
Uma reunião com produtores rurais onde o agricultor está vinculado pode ser um exemplo. Essas associações favorecem a difusão de conhecimentos. O produtor de suínos tem que enxergar os resíduos como um caminho para resolver suas dificuldades. Os produtores não têm interesse em investir em biogás até que ele passa a ser vital para o negócio. Onde que ele entra? Quando o produtor gostaria de dobrar o plantel, mas a limitação está justamente no gerenciamento de resíduos. É preciso mostrar que o biogás, além de dar o destino correto que permite o licenciamento, dá ao produtor incentivos, ele pode ser mais competitivo, pode aplicar a energia no aquecimento, na água quente em ordenhadeiras, em energia elétrica... A gente tem produtores que já aplicam isso aqui na Serra.
Caxias do Sul já teve no passado projeto para transformar os resíduos de aterro em energia, mas o plano nunca foi levado adiante. Como esse investimento é importante para as cidades?
Nós produzimos volume gigantescos de resíduos sólidos. Fizemos um levantamento que em 2030 o Brasil terá uma produção de 100 milhões de toneladas de resíduos sólidos. Eles ficam enterrados e contaminando o meio ambiente. Estamos enterrando energia, que polui e contribui com o efeito estufa. Nós temos que dar destino à produção de biogás. Muitas empresas internacionais vêm oferecer para os prefeitos, mas são investimentos altos, e os prefeitos têm dificuldades em tomar a decisão sobre qual a metodologia correta. É nisso que o fórum pode ajudar. O que fazer com resíduos de restaurantes, rede de hotelaria? O que falta é a gente se unir para pensar o que fazer com estes resíduos. A gente tem que pensar junto com secretários de meio ambiente e tomar decisões. A cidade de Minas do Leão, por exemplo, produz uma grande quantidade de energia elétrica a partir dos resíduos. É uma decisão urgente. É energia que poderia subsidiar o próprio transporte do lixo. Cerca de 50% dos resíduos urbanos são orgânicos. Decisões requerem investimentos altos, mas proponho parcerias público-privadas. É um mercado importante de investimento, promissor e, como precisamos mostrar para o mundo que o Brasil tem um sistema econômico ambiental amigável, o biogás pode ser um caminho.