Maio terminou. Maio foi muito maior do que sempre fora. Dias e dias dentro de um único mês. Havia dias tão iguais que pareciam se repetir. Em muitos momentos voltei ao calendário na busca do reconhecimento de em que dia estávamos. Maio terminou, mas o inverno está só começando e a chuva ainda insiste em cair. Os poucos dias de sol encheram os varais de roupas limpas e de esperança. Secar a água e as lágrimas ao mesmo tempo. Em dias de sol parece que a vida ensaia voltar ao normal. Mas isso não é real. Para muitos e muitos a coisa está ainda no começo.
Há dias em que só falamos da tragédia que nos atingiu. Dias em que paralisamos. Muitos de nós tiveram dificuldades para dormir ou ler. Uma culpa gigante nos solapou. Nos mobilizamos em busca de ajuda, fizemos e ainda fazemos embora já não estejamos assolados pelo desespero que tanto mobilizou. Talvez este seja um dos novos perigos. Acostumar-se. E, uma parte nossa, se acostuma muito facilmente. Escrevo e lembro do texto de Marina Colasanti que fala sobre o perigo de nos acostumar.
Concordo com ela, pois a gente se acostuma com a ler notícias sobre a tragédia, nos acostumamos com a tragédia, com a falta de preparo dos políticos, com os dias de chuva, com a falta de poesia. Nos acostumamos com a negação, com a maldade, com os números de violência. Nos acostumamos com falta de ética, com a fé fanática, com os discursos de ódio. A gente se acostuma com achar que já fizemos o suficiente, que é o outro que tem de fazer mais, com a ideia de que somos poucos diante da tragédia ou de que somos privilegiados por ter uma casa em pé. Nos acostumamos com a sensação de que nada irá mudar, com as fake news, com os preconceitos de todos os tipos, com a ignorância.
Assim como nos acostumamos com a traição, com a falta de amor, com as brigas de família, com as janelas fechadas, com a falta de jardim, com a derrubada das árvores. Nos acostumamos com o preço alto dos planos de saúde, com a falta de médicos no SUS, com o descaso com a iluminação pública, com o lixo que se acumula nas esquinas, com os aumentos de preços nos mercados. Já estamos tão acostumados a não olhar para fora, a não sair de dentro da própria bolha.
Como diz Marina, a gente se acostuma, mas não deveria. Não deveríamos nos acostumar com a falta de tempo, com o encontro adiado mais uma vez, com a falta de diálogo entre amigos. Quem de nós nunca ficou a espera de um aceno que nunca veio? Nos acostumamos a não perguntar o que foi que aconteceu. Nos acostumamos a imaginar hipóteses para o sumiço, mas por medo, nos calamos.
Nos acostumamos com a poluição, com o trânsito insano, com o cheiro do cigarro, às pessoas que furam fila, à contaminação das águas, às políticas de desmatamento, a patologização de quem é diferente, às casas forradas de calçadas porque plantas fazem sujeira. Por que nos acostumamos assim?
Enfim junho e ainda não deu tempo de nos acostumarmos a ele.