Não é fácil confiar nas palavras. Elas estão, na maioria das vezes, a dizer coisas das quais nem sempre são o que são. Seria bom se pudessem chegar até nós, nuas. Palavras-nuas, como são nus nossos sentimentos. Embora com eles se dê a mesma coisa. Mal os sentimos e já disfarçamos, afinal o que o outro pensaria de nós se pudéssemos dizer o que sentimos sem fazer rodeio com as palavras? Até nós mesmos nos assustamos com coisas que dizemos e sentimos, imagine compartilhar nosso infamiliar. Desconhecer é um começo. Aceitar que há uma parte nossa que pensa, sente e às vezes diz coisas das quais preferiríamos manter escondidas é perceber que não controlamos absolutamente nada. Nem nós mesmos.
Você pode perguntar como as coisas funcionam, pode querer saber sobre aquilo que ainda não foi dito, pode, inclusive, tentar disciplinar a si e ao próximo. E, então bate um cansaço. Controlar cansa. Cansa a si mesmo e cansa o outro que precisa fugir das tentativas de domínio o tempo todo. Há pessoas que desejam controlar o que o outro está pensando, sentindo. Querem saber não somente como foi o dia, mas esmiuçar a cartela de afetos que tingiu os segundos. Querem saber dos gastos do cartão de crédito, controlam o tempo do banho, economizam no papel higiênico. Justificam dizendo que a economia está em crise, que o dinheiro não vale nada, quando no fundo (ou nem tão fundo assim) acreditam que controlar é uma forma de não sucumbir ao caos da vida. E a vida é um constante caos.
Acordamos e nem fazemos ideia do que irá nos acontecer ao longo das próximas horas. Até temos agenda, reuniões marcadas, atividades planejadas, mas basta acordar meio mais ou menos e tropeçar na saída da cama, machucar o pé e tudo o que havia sido pensado deixa de existir. Existir, aliás, é uma tarefa árdua e quase transcendente. Afinal, para existir precisamos descolar nossa identidade do que fazemos, pois somos mais do que nosso trabalho.
Dar-se conta desse fato é fundamental, pois um dia envelhecemos, somos aposentados e se dependermos de nossa condição de trabalho para sermos alguém, sofreremos. É claro que isso também está associado a uma sociedade que exige produção o tempo todo, como se fôssemos máquinas. Daí volto a Deleuze e Guattari e relembro a importância de sabermos o quanto a sociedade nos enxerga como um corpo sem órgãos, vazio, que não deveria sentir, para poder ser substituído assim que ficasse com alguma avaria.
Daí, um dia colapsamos, e o colapso chega sem dizer palavra alguma. Nem vestida nem nua. Nos rasga como se fôssemos uma sacola de plástico. Abre um buraco. Adoecemos. Não há controle. Nunca houve. Nunca haverá. Tudo ao redor, em algum momento, desmorona. Às vezes é preciso que algo se desconstrua para que se possa começar de novo e talvez aí, e somente aí, o sentimento de gratidão realmente possa ser real.