Dias atrás, ao final de uma sessão analítica, me peguei pensando sobre a imponente frase “amar ao próximo como a ti mesmo”. Que coisa difícil. Amar o outro é um desafio quase impossível e amar a si mesmo é de um patamar que beira o utópico. Primeiro porque não conhecemos e, talvez nunca venhamos a conhecer, verdadeiramente, o outro. Segundo, não sabemos quem somos e nem quem podemos ser. No entanto, virou moda dizer e ouvir que devemos nos amar, nos perdoar, nos aceitar como somos. Eu mesma me pego em debate interno sobre a (in)capacidade de amar a mim mesma. Mas há inúmeras pessoas que pregam essa prática como se fosse fácil de realizar. E esquecem (ou desconhecem) que amar a si mesmo é tão complexo quanto tentar enxergar a própria nuca. Ou seja, amar algo que sabemos que somos nós, mas nunca vimos. Somos estranhos de nós mesmos. Amar a si mesmo é amar o estranho que nos habita. Só que o estranho nos causa medo, angústia. Todo estrangeiro é um desconhecido. Haja coragem para amar o que desconhecemos em nós, pois nunca, nunca teremos controle sobre os inúmeros eus.
Observo o jardim. Parte dele dorme, parte começa a se acordar com esse calor que vem fazendo. Cuidar de plantas nos remete ao mistério da criação. Tudo começa onde ninguém vê, desde os rios, as montanhas, as árvores, os pássaros. Semeei margaridas pela grama e é impressionante a força contida numa semente. Em poucos dias, já havia ocorrido a transformação e um talinho verde e minúsculo rasgara a terra e se impunha para fora, em busca de luz, enfrentando o vento forte, a chuva e as patas de Feta Caetana, minha cachorra, que me ensina constantemente o desapego.
Se mal controlamos o conhecido em nós, imagine o desconhecido. Talvez amar a si mesmo seja algo possível na medida que nos aceitamos paradoxais. Talvez sejamos da mesma natureza que a natureza em si. Somos sementes e dependendo de onde nos semeamos, crescemos ou não. De todo modo, nunca conseguiremos saber se realmente desabrocharemos como desejamos. Isso porque desabrochamos como somos. Observo as roseiras cheias de brotos e botões. Perfeita em sua beleza e repleta de espinhos. Quantos de nós nascemos rosas e por vontade do outro, abrimos mão dos nossos espinhos, e assim deixamos de ser quem somos. Não sei se toda rosa tem consciência dos espinhos que carrega, e eis o desconhecido em si. Mas abrir mão de aceitar o que em nós habita, por mais estranho que seja, é afastar-se da verdade essencial com que chegamos neste mundo. E nada é mais valioso do que sonhar para poder suportar nossos paradoxos. E talvez, fazer poesia.