Não é fácil te encontrar. Quase sempre te procuramos e na maioria das vezes tu não estas em casa. A rua nos diz que tu não aparece faz tempo. São os carros, as pessoas, as vozes das pessoas, os risos histriônicos e sem sentido, o consumo desenfreado, o desejo de se ser o que não se é, as músicas em volume muito além do permitido, os cortadores de grama em pleno domingo, as postagens do Instagram, as demandas de quem amamos, as demandas de quem não amamos, os comentários maldosos das redes sociais, o latido dos cachorros, a política, a morte, a vida. Tudo faz barulho.
Te procuramos ainda assim. Te procuramos por entre as folhas de outono, caídas e esquecidas em meio ao jardim, no sono dos gatos sobre o sofá, numa xícara de café. Um pouco de silêncio para curar os ouvidos do mundo. Um silêncio que seja paz e não angústia. Procuramos por ti no sorriso escondido atrás das máscaras, nos olhares afetuosos, por entre os passos lentos de nossos pais, na pausa entre os ponteiros do relógio.
Há algo em ti que nos puxa ao teu encontro. Algo de suspenso, nem alegre, nem triste. Apenas um estar e deixar-se estar como quando se olha para o céu e se vê os pássaros voando sustentados pelo vazio. Um desejo de também saltar no vazio. E assim fazemos todos os dias ao abrir a janela pela manhã e mergulharmos dentro do vazio do dia. O vazio cheio de coisas que não sabemos explicar, mas que nos acolhe e alimenta, sem ser áspero. E nossos olhos se banham num milagre chamado gerânio. Mas isso dura segundos, não é? Logo a vida se levanta com suas exigências.
É um paradoxo, mas às vezes te encontramos sem querer. Somos pegos como se não estivéssemos preparados para isso. Às vezes te encontramos nas teclas do computador às 14h31min, outras, diante do espelho, às 6h43min, aos escovar os dentes. Uma brevidade. Um instante. Um átimo. Tão fugaz e pleno. Quando te encontramos algo em nós se organiza. Algo mais profundo e sem medida exata. Um nada carregado de sentido se coloca entre nós e o mundo externo. É o susto de sentir-se vivo e existindo. Então, descobrimos que somos versos quebrados, descontinuados e solitários. Náufragos de nossos próprios sonhos e desejos e que mesmo assim insistimos em acreditar e tentar e tentar sempre e uma vez mais. Ninguém nos diz de onde essa força vem e nem como a carregamos. Mas carregamos em nós esse mistério.
Quase nunca pensamos sobre isso. O silêncio quase nunca é bem-vindo. Não sabemos lidar com ele e nem com nós mesmos diante de algo que nos rouba tudo, inclusive as palavras. Desconhecemos nossa capacidade de suportar o não dito. Mas aqui falo do silêncio que cria um estar em si, mesmo que o ritmo seja alterado, mesmo que a harmonia esteja machucada. Uma capacidade interna de distanciamento do que está fora para sentar-se ao lado de si. Como um verso feito de não-verso. E só.