A criança quando brinca veste um corpo. Dá corporeidade a sua própria narrativa. Esse corpo dá movimento à vida. A criança brinca no tempo da eternidade, diz Dolto, psicanalista. E o antropólogo Gilberto Duran nos diz que a criança desconhece a morte. Talvez, justamente, por viver esse tempo do eterno. Nós, olhamos as crianças. Observamos os pequenos na tentativa de compreender como se movimentam, constroem suas histórias, aprendem a estar só. Winnicott, psicanalista inglês, nos diz da importância das crianças vivenciarem a ilusão como experiência de onipotência. É no jogo da ilusão brincante que o sujeito se constitui e descobre que é dono da sua própria linha, a linha da vida. Digo isso, por que algo acontece ao longo da passagem dos anos que nos afasta de nós mesmos. Segundo o poeta mato-grossense Manoel de Barros, os desacontecimentos da vida nos carregam para longe, tão longe do nosso querer.
Há um verso da poeta indiana, radicada no Canadá, Rupi Kaur, em seu livro traduzido para o Brasil como “Meu Corpo Minha Casa”, em que ela nos diz: aqueles que vieram antes de nós não são descartáveis. Mas temos dificuldade de olhar para eles, para a velhice e para o nosso próprio envelhecimento. Talvez por que envelhecer signifique o contrário do tempo eterno no qual as crianças estão imersas. Ao envelhecermos nos damos conta de que somos finitos. E isso é assustador. No entanto, é justamente nesta fase que a vida nos dá a chance de poder (re)ver tudo aquilo que vivemos até aqui. Então tudo aquilo para o que não tínhamos tempo, preocupados com a carreira, a vida, cuidar dos filhos, casa, marido, esposa, pais, fecha o ciclo. De repente, temos tempo. Nos aposentamos. Outra palavra não grata. Aposentar-se. Fechar o ciclo “produtivo da vida”. Seremos descartados? Nos damos conta de que nosso corpo também não é mais como o de antes. Ficamos mais lentos, mais cuidadosos, arriscamos menos. Envelhecemos.
Nesse contexto, a sociedade e o sistema ao qual estamos inseridos nos exige juventude o tempo todo. O Brasil é o país que mais realiza cirurgia plástica do mundo, segundo uma pesquisa de 2018 e as mulheres são as que mais procuram por esse tipo de intervenção. Sabemos, a juventude é cobrada de modo maciço e perverso, muito mais do feminino do que do masculino.
Assim como o corpo na criança constrói uma narrativa, na velhice isso também acontece, mas por que olhamos com beleza esse processo na infância e não olhamos da mesma forma para a velhice?
Talvez porque pela primeira vez sentimos a necessidade de estar no aqui e agora. No presente. Depois de uma vida toda vivenciando a angústia do passado e a ansiedade do futuro, chegamos no aqui. Talvez também porque seja difícil envelhecer numa sociedade que nos diz que não podemos envelhecer e que precisamos estar jovens o tempo todo.