Dias atrás li uma crônica de Stefan Zweig, escrita durante a Segunda Guerra Mundial, antes de exilar-se em terras tupiniquins e suicidar-se, sobre os jardins de Londres. Ele questionava-se sobre como os ingleses conseguiam passar pelo momento tão turbulento de modo tão calmo. Depois de algumas reflexões se deu conta de que a tranquilidade devia ter sua origem nos jardins, talvez na obsessão dos ingleses pela natureza e sua beleza ou pelo despudor que as flores nos exigem, ao nos sujarmos de terra.
Conheci a obra de Zweig muito tardiamente, somente no tempo em que estive estudando para o doutorado na UFRGS é que entrei em contato com ela. Antes disso, fugazmente, por indicação de leitura. Zweig fora um vienense, amigo de Freud, que durante a segunda grande guerra veio exilar-se no Brasil, onde acabou se suicidando por pressão do governo Getúlio Vargas e sua aproximação com o nazismo. Sim, durante a Era Getúlio nosso país era mui simpatizante da política nazifascista, somente naquele período, claro. Ainda bem, hoje as coisas são diferentes.
Mas essa crônica não é sobre política e nem sobre a ironia, é sobre jardins, plantas, terra boa, adubo, flores, dedo verde, pássaros e falta de chuva. Escrevo mais pelo ímpeto poético do que pela burla política. Zweig nunca plantou nada, mas era um grande admirador, talvez observador, do comportamento humano. Sabia que as pessoas desenvolvem seus mecanismos próprios como forma de não enlouquecer. Assim, há os como eu, que se descobrem exímios jardineiros. E toda vez que penso no meu jardim, lembro de Matisse, Henri Matisse, artista francês, rotulado de fauvista no princípio (e gosto tanto), pintava flores durante a guerra. Há muitas formas de construir um discurso. Eu gosto deste que fala de raízes, rizomas, pétalas e ciclo de vida. Gosto deste que diz o não dito, já dizendo o interdito e que sorri no fim, como se nada pudesse ser dito a mais. Assim são as flores em suas pífias vidinhas verdes. E sofro muito quando uma delas não quer viver.
Lembro de Guimarães Rosa em sua velha expressão de que todos temos uma única vidinha, então por que desperdiçá-la? E toda vez que cito um bando de gente letrada e já morta, lembro do querido professor Jayme Paviani: se o conhecimento não servir para te transformar numa pessoa melhor, então ele não serviu de nada. Por isso, aplico meu tempo em cuidar das plantas que tenho no jardim, elas têm um ciclo de vida próprio e independem da realidade social, política ou econômica e cultural. Nascem, perecem com as pragas, morrem e enquanto revolvo a terra para que voltem a nascer, semeio, porque para cuidar de plantas é preciso doação, paciência e humildade. Quando planto, volto a recriar a ideia de lar, talvez tenha sido isso que Zweig tenha visto ao falar de jardins, o quanto as plantas recriam em nós a sensação boa de estar em casa, outra vez.