Preciso confessar, sempre tive preconceito com relação aos doramas (é um termo oriental para se referir a drama). Tentei assistir alguns, mas achava muito esteriotipado, as expressões exageradas e as referências constantes aos mangás. Preciso também deixar bem claro que gosto muito da cultura oriental e circulo pelos mangás, filmes, animações, tokusatsu (lembra do Jaspion?) e animes japoneses, coreanos, chineses. Mas deles também nunca gostei dos seriados. Escrevo e começo a pensar que talvez nunca tenha gostado muito mesmo são de seriados, no geral. Bom, isso até entrarmos em quarentena. Em fevereiro deste ano, a Netflix fez uma parceria com o estúdio Ghibli e fui uma das fãs mais felizes por isso. O Ghibli é um estúdio de animação do Japão e faz filmes belíssimos. A Viagem de Chiriro, por exemplo, foi o primeiro filme de língua não inglesa que ganhou o Oscar de melhor filme de animação, em 2002. E há outros tão belos quanto este, como Túmulo dos vagalumes, Meu amigo Totoro, Memórias de Ontem, Eu posso ouvir o oceano e Ponyo. A lista é longa e só pelos títulos dos filmes pode-se imaginar a delicadeza que guardam. A animação japonesa é pura poesia, sensibilidade e o enredo me faz lembra de uma expressão de Fernando Pessoa que se encaixa perfeitamente aqui: a vida é uma espécie de sonho, com uma realidade bem no meio. Assim são as animações orientais.
Daí, por influência dos meus alunos, da sogra, da cunhada, do cunhado, do amor, eis-me assistindo a série sul-coreana Pousando no Amor. Trata-se de uma comédia romântica ambientada entre a Coreia do Sul e a Coreia do Norte. No dorama a Seri, a mocinha da história, acaba por acidente indo parar na Coreia do Norte e o Ri Junk Hyuk, o mocinho, vai salvá-la. Claro que todas as implicações políticas e diferenças de cultura compõem o pano de fundo do enredo, o que torna a série ainda melhor. Como acontece nos mangás e quem é leitor deste tipo de obra vai se identificar, a profundidade dos personagens se dá com o passar dos episódios e as caricaturas vão sendo abandonadas para só então mergulharmos dentro do drama, ou dorama, no caso.
O interessante disso tudo é como uma série pode trazer a ideia de normalidade para dentro de nosso cotidiano tão turbulento com a questão da covid-19. É impressionante como coisas simples, como acompanhar uma série, quase banais, assumem outra conotação diante da vida e do desenrolar dos dias. Como se estivéssemos mais presentes, mais no aqui e agora, mais dispostos a silenciar e se permitir a conhecer coisas novas, coisas que antes jamais teriam espaço em nossas agendas. E se antes citei um poeta ocidental, encerro com poesia sufi: “se desejais chegar à casa da alma, procura no espelho um rosto mais singelo”.