A Rua Independência, via do centro de Passo Fundo que possui diversos estabelecimentos comerciais, como bares e restaurantes, voltou a ser pauta de discussão após casos de violência registrados na região nas últimas semanas. Uma audiência pública, promovida pelo Ministério Público Estadual (MP-RS) será realizada em 4 de julho, às 10h, na sede do MP da cidade, para abordar o tema.
A ideia da audiência é discutir a região central como um todo, de forma macro, conforme aponta o promotor de Justiça, Paulo Cirne. O momento de discussão irá reunir órgãos de segurança pública e da administração municipal. Segundo o MP, a audiência acontece após denúncias da comunidade. Um abaixo-assinado com mais de 200 assinaturas foi coletado e entregue à promotoria de Justiça.
Na última semana, um homem foi morto a tiros na rua Independência, durante a madrugada de sexta-feira (2). No fim de abril, outro episódio também ocorreu nas proximidades da via pública, na região central: um homem foi atropelado na Rua Bento Gonçalves, próximo da esquina com a Rua Independência, após uma briga generalizada em um bar.
De acordo com Cirne, a questão da Rua Independência e, de forma maior, na região central, considerando também ruas como Benjamin Constant, Morom e Bento Gonçalves, é antiga e possui desdobramentos em outra esfera do MP, como a criminal. Segundo ele, os moradores estão preocupados com o sossego público e a segurança da comunidade.
— Essa audiência é uma discussão que seguirá antes e depois dela. Nós necessitamos de uma revisão urbanística do centro da cidade. É uma discussão maior, além de controle da prática de perturbação do sossego público — resume.
Cirne pontua algumas questões que considera importante na discussão, como o volume de estabelecimentos concentrados na rua Independência e arredores, além dos horários de atuação de bares e boates.
— Precisamos reavaliar os requisitos de concessão de alvarás, repensar o grande número de estabelecimentos que ficam abertos naquela região até horários de madrugada, avaliar se o centro comporta tantos estabelecimentos abertos, que geram ruído excessivo, com grande números de pessoas nas ruas, prejudicando o sossego público e dificultando a atuação dos órgãos de segurança — explana.
"Não é raro acordar com barulho de tiros", diz moradora
Há seis meses morando na Rua Independência, uma mulher — que prefere ter a identidade preservada — é uma das pessoas que referendou o abaixo-assinado e pede por soluções na via pública. Segundo ela, os problemas na rua são diversos: desde a sujeira nas ruas — principalmente após fim de semana — até a violência.
— É uma situação bem complicada. Além da sujeira, que é muita, quando chove, entope bueiros, alaga estabelecimentos. Em questão de barulho e segurança, é o pior momento vivido aqui, pelo que conversei com moradores. Não é raro a gente acordar com barulho de tiros. Essa noite, por exemplo, não deu para dormir por causa do barulho de uma boate. Existe uma falta de fiscalização muito grande — desabafa.
Com contrato de aluguel em vigor, ela espera o encerramento do período para mudar de residência.
— Eu quero morar em outro local. Não tem como ficar, é impossível — completa.
Sindicato lamenta situação e critica fiscalização
Em nota oficial, o Sindicato dos Hotéis Restaurantes e Bares de Passo Fundo (SHRBS) lamenta a situação atual da Rua Independência. O presidente do SHRBS, Leo Duro, aponta que a realidade é reflexo da falta de fiscalização dos responsáveis e do não enquadramento de regras e condutas adequadas de alguns estabelecimentos.
— É algo que ocorreu devido à clara falta de fiscalização por parte dos responsáveis e a insistência de se manter na ilegalidade por parte de alguns poucos locais que não se enquadram nas regras e condutas adequadas. O que vemos hoje, com assassinatos e brigas generalizadas, é o resultado da ineficácia do poder público em restringir o funcionamento destes espaços, antros da desordem e do crime, de forma efetiva — afirma.
Duro relata, também, a queda de movimento nos estabelecimentos, que está atrelada aos últimos episódios na via pública. Além disso, ele aponta a necessidade de uma solução efetiva para o caso.
— Os empresários que têm seus estabelecimentos funcionando de forma ordeira e legalizada durante vários anos nesta rua atualmente sofrem com a drástica redução de movimento devido a estes acontecimentos. Nós reiteramos a necessidade urgente de uma solução efetiva para esta situação, que torna a tão prestigiada noite passo-fundense em uma terra sem lei — completa Duro.
Consumo de bebidas alcoólicas em via pública
Em Passo Fundo, é proibido o consumo de bebidas alcoólicas em locais públicos desde 2017, mediante pagamento de multa, com a implementação da Lei Municipal Nº 5240/2017, de autoria do ex-vereador Renato Tiecher. Na época, o tema foi alvo de polêmica, pois envolvia diretamente a Rua Independência, um dos pontos boêmios da cidade.
Em abril deste ano, uma audiência pública realizada na Câmara de Vereadores de Passo Fundo, proposta pelo vereador Michel Oliveira discutiu uma alteração na redação da lei municipal.
O objetivo é que sejam alteradas as regras para o consumo de bebidas em via pública, incluindo o espaço de domínio de bares e restaurantes. O presidente do SHRBS avalia como construtiva uma possível alteração na lei.
— Incluir o espaço de domínio dos estabelecimentos, a calçada em frente ao estabelecimento, como integrante do local, facilitaria a fiscalização em autuar aqueles que estivessem consumido bebida em via pública, e não os clientes dos locais em questão. Em contrapartida, os empresários, para se beneficiar deste espaço, devem ter seu requerimento aprovado pela prefeitura, além de cumprir uma série de regras e limites, assim como estar totalmente legalizados para funcionar — declara Leo Duro.
Fiscalizações acontecem semanalmente
A região central é um dos pontos que mais acontecem fiscalizações noturnas, de acordo com a Brigada Militar. Entre as ações conjuntas com Corpo de Bombeiros, fiscais da Prefeitura e Guarda Municipal de Trânsito, estão abordagens a pessoas e veículos, vistoria de segurança nos estabelecimentos e também de perturbação ao sossego público.
Em abril deste ano, GZH Passo Fundo noticiou que os fins de semana registram até 15 ocorrências de perturbação ao sossego público. Segundo dados do 3º Regimento de Polícia Montada (RPMon) da BM, foram registradas 560 ocorrências por perturbação ao sossego alheio no município em 2022, numa média de 46 casos por mês.
A maioria das incidências de denúncias são em datas de lazer e descanso. Em fiscalizações realizadas no ano passado, foram 22 estabelecimentos denunciados pela comunidade, sendo que 14 foram fechados durante as ações dos órgãos de segurança pública.
— O que compete ao município, nós estamos fazendo— rebate o secretário de Segurança Pública, João Darci Gonçalves, que relata que a pasta conversa constantemente com o MP a respeito das ações de fiscalização.
Segundo a secretaria de Segurança Pública, das 400 câmeras de videomonitoramento da cidade — entre equipamentos do poder público e da Brigada Militar —, a maioria está localizada na região central.
— Nós temos trabalhado muito forte com a questão do monitoramento por vídeo e com as ações de fiscalização, que regularmente temos uma por semana, até mesmo acima das nossas condições estruturais — declara.
Para Gonçalves, a discussão deve ir além das ações de fiscalização e combate à violência.
— O que se tem que mudar é a lei, porque a Brigada Militar e a Polícia Civil nunca prenderam tantas pessoas como tem ocorrido. Elas entram no sistema carcerário e saem em poucos dias. Se torna um serviço redobrado — lamenta.
GZH Passo Fundo
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