Por Julcemar Zilli, economista
O Rio Grande do Sul tem um histórico marcado por desastres climáticos frequentes, sendo responsável por quase 20% de todos os prejuízos causados por extremos naturais na economia brasileira nas últimas três décadas. No entanto, as inundações ocorridas em maio de 2024 trouxeram um impacto sem precedentes, afetando 90% dos municípios gaúchos e desabrigando cerca de 5% da população estadual, segundo a Federasul. A catástrofe afetou mais de 2 milhões de pessoas, mostrando que o Estado está vulnerável a eventos extremos e as consequências econômicas e sociais desses eventos.
Antes das inundações: preparação e vulnerabilidade
Antes do desastre, o Rio Grande do Sul já enfrentava desafios estruturais em sua economia. A agricultura, um dos pilares econômicos do Estado, estava particularmente vulnerável a eventos climáticos adversos. As infraestruturas rurais, essenciais para o escoamento da produção agrícola, já mostravam sinais de desgaste e falta de investimentos adequados. A insuficiência de sistemas de drenagem e de contenção das águas pluviais agravava o cenário, expondo comunidades inteiras a riscos de alagamentos frequentes.
Economicamente, as previsões eram otimistas. O Departamento de Economia e Estatística (DEE/RS) apontava que o PIB do estado cresceria 4,32% em 2024, um indicativo de uma recuperação animada e crescimento econômico saudável. Este crescimento seria impulsionado por uma série de fatores, incluindo uma safra agrícola promissora, investimentos em infraestrutura e uma indústria em expansão.
Depois das inundações: devastação e resiliência
As precipitações intensas de maio de 2024, provocadas pelo fenômeno El Niño, resultaram em inundações que devastaram extensas áreas do Estado. As enchentes destruíram plantações e pastagens, causando perdas significativas na safra atual e comprometendo a produtividade das safras futuras. A destruição da infraestrutura rural e a interrupção das cadeias de suprimentos locais e nacionais aumentaram a insegurança alimentar e a pressão sobre os preços dos alimentos.
O setor industrial foi igualmente impactado, com a paralisação de diversas empresas e a perda de bens materiais e de capital. A logística de transporte foi afetada, com estradas bloqueadas e infraestrutura danificada, dificultando a recuperação econômica. No setor de serviços, inúmeros estabelecimentos fecharam temporariamente, resultando em perda de receita e aumento do desemprego, o que agrava a situação econômica das famílias afetadas.
As novas estimativas pós-desastre indicam uma queda de 0,77% no PIB do Estado para 2024, uma reversão importante em relação às projeções anteriores. Essa mudança reflete a magnitude dos danos econômicos e sociais causados pelas inundações, que afetaram quase todos os setores da economia gaúcha (DEE/RS).
Além dos efeitos imediatos, a calamidade no Estado tem implicações macroeconômicas significativas. As perdas no agronegócio geram um choque de curto prazo na inflação de alimentos, aumentando a pressão sobre os preços e, consequentemente, sobre as taxas de juros. A necessidade de investimentos para a reconstrução do estado eleva o déficit governamental, deteriorando ainda mais o cenário fiscal. No âmbito nacional, o impacto das inundações no Rio Grande do Sul é tão significativo que a previsão de crescimento do PIB brasileiro foi revisada para baixo, de 1,51% para 1,25% em 2024.
Reconstrução e futuro
A recuperação do Rio Grande do Sul exigirá um esforço coordenado e eficiente, com ênfase em investimentos inteligentes e sustentáveis para garantir um futuro pujante. Estima-se que o custo para a reconstrução possa chegar a R$ 110 bilhões, ou 1% do PIB nacional, com o governo já anunciando um aporte de R$ 65 bilhões, dos quais apenas R$ 14 bilhões são aportes diretos.
A experiência trágica de maio de 2024 sublinha a necessidade de uma revisão profunda das políticas de gestão de riscos e desastres no Estado. A implementação de sistemas de alerta precoce, melhorias nas infraestruturas de drenagem e a adoção de práticas agrícolas inovadoras são medidas essenciais para reduzir os impactos de futuros eventos climáticos extremos.
Em suma, as inundações de 2024 no Rio Grande do Sul não apenas revelaram a vulnerabilidade do Estado, mas também destacaram a força e a capacidade de recuperação da população gaúcha. A reconstrução será longa e árdua, mas com uma abordagem estratégica e sustentada, é possível transformar essa tragédia em uma oportunidade para construir um Estado mais forte e preparado para enfrentar os desafios do futuro.
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