A romaria de São Miguel, que cruzou parte do bairro Boqueirão até a capela em homenagem ao santo, no bairro Integração, homenageou o arcanjo na manhã quente deste domingo (24) em Passo Fundo, no norte do RS.
Segundo levantamento da Guarda Municipal de Trânsito, mais de 800 pessoas participaram da caminhada de cerca de 6 quilômetros entre a Igreja Matriz São Vicente e a Capela São Miguel.
No caminho, quem acompanhava a imagem do santo cantava e rezava pelos seus e pelo próximo. É o caso da aposentada Lucinda Emília de Oliveira. Ela participa da procissão há pelo menos 43 anos, sem falta.
— No caminho eu peço proteção para mim, minha família e a todos, para que tenhamos sempre saúde e não nos falte nada. Também agradeço pela minha vida — conta ela, que chegou antes na Capela São Miguel para ganhar benção e reservar um bom lugar para acompanhar os festejos em homenagem ao santo.
A história da Romaria de São Miguel se confunde com a história regional. Em 2023, a procissão completa 152 anos, o que a torna a mais antiga do Rio Grande do Sul. Ela também já foi classificada como patrimônio histórico imaterial de Passo Fundo. O motivo: começa com dois escravos que lutaram na Guerra do Paraguai.
Ao final da disputa, em 1870, os homens escravizados Generoso e, seu filho, Isaías, voltavam para Passo Fundo quando encontraram a imagem do santo na região das Missões. Isaías estava gravemente ferido, com uma das pernas amputadas.
Quando encontrou a imagem, porém, prometeu que, se chegasse com vida em Passo Fundo, voltaria para buscar o ícone e construiria uma capela em sua homenagem. É desse compromisso que vem a Capela São Miguel, construída no bairro Integração, onde antes era a localidade de Pinheiro Torto.
Promessas alcançadas
Desde a história de Generoso e Isaías, São Miguel virou referência de prece para devotos que buscavam ajuda em momentos delicados. Um exemplo é o soldador Luiz Antônio Gonçalves Oliveira. Aos 54 anos, ele lembra da vez em que a mulher teve hemorragia depois do parto prematuro do primeiro filho. Em um apelo pela saúde da família, fez uma promessa para São Miguel — que paga até hoje, mais de 30 anos depois.
— Eu venho para pagar a promessa que fiz e também para agradecer. Hoje meu filho tem 33 anos e eu não sei o que teria sido se não tivesse pedido a ajuda de São Miguel — disse, levantando na mão direita uma pequena estátua do arcanjo.
Segundo o padre Claudir Pressi, da Capela São Miguel, São Miguel é justamente o anjo protetor: aquele que rege e guarda a quem mais precisa.
— Ele nos ajuda a proteger a vida e temos que retribuir fazendo o bem. Ele nos defende de todo o mal, e hoje são muitos males. Por isso acreditamos que, na romaria, podemos contar com ele para cuidar e amar a vida.
Mas nem sempre é sobre promessa. O microempresário Avanir de Vargas Brinker, 60 anos, vai desde criança de pés descalços participar da romaria — tradição que começou com a mãe. Ele enfrentou o calor de 28ºC que fazia por volta das 10h enquanto andava no asfalto quente em direção à capela.
— Não estou fazendo promessa. É apenas uma forma de elogiar São Miguel, sou devoto. Todo ano é assim — contou.
História
Os descendentes de Generoso e Isaías fazem da festa um ritual anual importante. Eles não apenas participam dos tríduos e da procissão, como também resgatam a memória dos negros escravizados através do grupo Alforria, criado por Djanira Ribeiro, neta de Isaías. Ela morreu em junho de 2019, mas deixou o grupo como legado, que completa 13 anos em 2023.
Maria de Lourdes Campos Isaías, 86 anos, relembra a importância do santo para a família passo-fundense.
— Isso está no sangue, no sangue do povo que tem fé. Podemos ter qualquer vínculo social, religioso, político e educacional, mas a fé de Deus e em São Miguel, que é o arcanjo que comando o direito e o esquerdo, bom e ruim, em suas balanças pesa tudo aquilo que fazemos na terra.
Depois da procissão, houve almoço e apresentação do grupo Alforria, na sede da Capela São Miguel.