Por Marco António Pontes de Jesús, médico aposentado
A reabertura do Casarão dos Bina, em Gravataí, trouxe à tona reflexões que vão muito além da restauração de uma estrutura física. Enquanto moradores e visitantes se encantam com sua imponência, os comentários do historiador Gilberto Albani sobre a possibilidade de uso de mão de obra escravizada na construção do prédio me fizeram pensar. Como assim "indícios"? No Brasil do século 19, onde o trabalho escravo era a engrenagem que movia a economia, é impossível imaginar qualquer obra de rico sem as marcas das mãos negras. Foi o povo preto que moldou tijolo por tijolo, carregou pedra por pedra e ergueu cada detalhe dessas construções que hoje chamamos de patrimônio.
O Casarão dos Bina pode ser um símbolo de resistência, um local para resgatar histórias apagadas e dar espaço para que vozes negras contem suas versões
Dizer que não se sabe ao certo se escravizados participaram da edificação do casarão é uma tentativa sutil — e preocupante — de esvaziar a história. Essa negação ou dúvida abre espaço para a invisibilidade daqueles que realmente edificaram não apenas os prédios, mas toda a base das riquezas do Rio Grande do Sul. Reconhecer a participação do povo preto não é apenas um ato de justiça histórica; é a única forma de honrar a memória dos pretos.
No entanto, restaurar a história não é só recuperar o passado. O Casarão dos Bina pode ser um símbolo de resistência, um local para resgatar histórias apagadas e dar espaço para que vozes negras contem suas versões. Que a reabertura do casarão seja mais do que uma celebração arquitetônica; que seja uma oportunidade para debates, exposições e encontros que evidenciem o papel central do povo negro na formação do país.
Assim, ao caminhar pelos salões restaurados do casarão, não enxerguemos apenas lustres e molduras. Que vejamos as mãos calosas, as costas vergadas, o suor que deu forma àquele espaço. Porque restaurar não é apenas revitalizar paredes e telhados; é, sobretudo, restaurar a verdade. E essa verdade é que, sem o povo preto, não haveria casarões. Nem cidades. Nem histórias para contar.