Por Marcelo Veiga Beckhausen, procurador regional da República do Ministério Público Federal (MPF), professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e doutor em direito
O Legislativo parece empenhado em trazer enorme retrocesso antidemocrático ao país. Anteontem, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou dois projetos de emenda à Constituição (PEC): um que limita decisões monocráticas dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF); outra que dá ao Congresso o poder de sustar decisões da Corte por dois terços de votos das duas Casas, isto é, 342 deputados e 54 senadores, reações a uma atividade contramajoritária típica do poder judicial. A Constituição autoritária de 1937 previa dispositivo similar de “homologação” das decisões proferidas pelo STF.
Trazer mecanismos de validação das decisões proferidas pelo STF significa mais do que afrontar a separação dos poderes, significa produzir uma ruptura compatível a um regime autoritário ou mesmo a uma autocracia
Em uma democracia, devemos analisar esses movimentos a partir dos princípios estabelecidos pela atual Constituição, promulgada após anos de arbítrio. O constituinte decidiu que o Judiciário é responsável pela fiscalização, abstrata e concreta, do poder reformador, de emendas, e da legislação infraconstitucional. Isso não significa que o parlamento possa aceitar qualquer decisão. Por óbvio, a Constituição pode ser modificada, mas as limitações materiais ao poder reformador dispõem que não será objeto de deliberação proposta de emenda que vise abolir a separação dos poderes. E impedir a eficácia das decisões do Supremo significa fazer isso, criando uma desarmonia entre esses e interferindo na independência das decisões judiciais.
Trazer mecanismos de validação das decisões proferidas pelo STF significa mais do que afrontar a separação dos poderes, significa produzir uma ruptura compatível a um regime autoritário ou mesmo a uma autocracia. Os movimentos do Congresso deflagram um processo de acirramento entre parte da sociedade civil e o Poder Judiciário, como nos cenários turbulentos de janeiro de 2023.
O Legislativo ocupa um espaço legítimo no palco político, mas não deve usurpar o papel dos demais atores institucionais. Essas PECs, se aprovadas, seriam integralmente inconstitucionais ou gerariam um looping, interminável e inaceitável, em um Estado democrático de direito, com normas sendo invalidadas pelo STF e validadas pelo Congresso.