Por Marcelo Caon, psicanalista e doutor em História
"Ando nas ruas de um porto não muito alegre". Essa é a vida triste de quem está enclausurado por um regime autoritário, seja externa ou internamente. Mas é possível encontrar saída desse porto em busca de novos mares, de novas terras?
Sim, talvez isso seja imaginável. É uma viagem construída por coragem (de esperançar) e lutas. Há 40 anos, o Brasil vivia em um regime de exceção que desautorizava a liberdade e a viagem, ao mesmo tempo em que o processo de barbárie estava se encerrando. Com o fim da ditadura no país, embora muito trabalho de justiça de transição devesse ainda ser pensado, a partir dali, seria possível um novo porto de cidadania.
Era lá que Bailei na Curva se apresentava com sensibilidade, encantos e lágrimas de quem 'nascia chorando moinhos de vento'
Não foi à toa que, nesse mesmo momento, a arte que respirava silenciosamente, irrompeu em uma das peças mais importantes do cenário nacional e que emociona até hoje. Era lá que Bailei na Curva se apresentava com sensibilidade, encantos e lágrimas de quem "nascia chorando moinhos de vento". Era uma representação simbólica do que a sociedade precisava para sair da sua clausura política e "seguir livre muitos caminhos". Liberdade esta que será comemorada no próximo 7 de setembro, bem como a celebração da peça teatral que culmina com a nossa também jovem aniversariante, a democracia.
Outro nascimento marcou os tempos de Iluminismo à brasileira: o do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre. Ali também passou a ser esculpido um porto feliz para desenclausurar as almas daqueles que sofrem internamente. O CepdePA foi criado para, junto ao corpo de psicanalistas, legitimar a desolação, dar voz àquele que não se submete à escuridão e ao silêncio, além de garantir espaço para a existência dos dramas do cotidiano.
Neste próximo sábado, 7 de setembro, a comemoração será tripla, como o tripé freudiano, mas nem tanto: arte, democracia e saúde psíquica. Nada melhor que esse presente para a sociedade brasileira que, há 40 anos, renascia das cinzas e da escuridão; nada melhor do que uma sociedade que, em busca de novos portos alegres, como diz a música composta por Flávio Bicca Rocha, não quer se perder por aí.