É estarrecedor constatar que o Rio Grande do Sul registrou nove casos de feminicídio em 53 dias, levantamento estatístico que evidencia a pouca eficácia da rede de proteção existente no Estado e a insuficiência da repressão aos agressores. Em pelo menos um desses casos, a vítima cumpriu rigorosamente as recomendações das autoridades: fez o registro policial, obteve medida protetiva e, mesmo assim, foi assassinada a tiros pelo ex-companheiro numa rua da cidade de Encruzilhada do Sul, quando se dirigia para o trabalho. Ficarão órfãos um menino de 10 anos e uma menina de seis.
Episódios como esse comovem e revoltam, mas não devem servir apenas para que se lance descrédito sobre instituições e serviços locais dedicados à proteção social. O problema é nacional. Estatísticas policiais demonstram que, diariamente e em média, 13 mulheres perdem a vida de forma violenta no país e que 83% dessas mortes decorrem de agressões de homens com os quais tinham algum tipo de relacionamento amoroso.
Essa realidade, porém, não deve servir de atenuante para as falhas constatadas no sistema de proteção e para as negligências educacionais na formação de crianças, adolescentes e jovens. Pelo contrário, o Rio Grande do Sul precisa se organizar para dar exemplo e superar de vez o histórico de machismo e misoginia que acompanha a formação de nosso povo, especialmente da ala masculina.
Só que, enquanto a educação não faz o efeito desejado, o sistema de proteção à mulher e de contenção dos agressores tem que ser revisado e aperfeiçoado. Seja lá qual for a explicação das autoridades judiciárias e policiais, é inadmissível que uma pessoa receba a garantia de vigilância por parte do Estado e poucas horas depois seja executada pelo agressor identificado e, supostamente, vigiado. Mais do que isso: no caso específico de Encruzilhada do Sul, o homem recém havia sido liberado pela Justiça depois de uma audiência de custódia decorrente de outro crime.
Prevenção, portanto, é o dever de casa para todos. Leis protetivas não faltam. Só para ficarmos com as mais conhecidas, estão em vigor atualmente: a Lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e estabelece medidas de assistência e proteção; a Lei do Minuto Seguinte, que proporciona garantias a vítimas de violência sexual, como atendimento imediato pelo SUS, amparo médico, psicológico e social, exames preventivos e informações sobre seus direitos; a Lei Joana Maranhão, que amplia a prescrição para crimes de abusos sexuais contra crianças e adolescentes; e a Lei do Feminicídio, que considera o crime praticado contra a mulher como circunstância qualificadora do homicídio, agravando a pena.
O que falta é uma ação mais pragmática e eficaz por parte da rede de proteção e dos serviços públicos constituídos para acolher, orientar e proteger as vítimas de violência doméstica, com especial responsabilidade dos órgãos.