Por Délton Winter de Carvalho, professor de Direito da Unisinos e advogado
O Estado acaba de ser atingido pelo maior desastre climático de nossa história. O número de danos e vidas perdidas está longe de ser definitivo. O cenário é de uma guerra, após um verdadeiro tsunami climático. O momento é de socorro, acolhimento e restabelecimento dos serviços essenciais. A solidariedade contagia e emociona, mas não é suficiente. Temos um dever moral e jurídico de entender e aprender com o evento.
Após o Grande Terremoto de Lisboa (1755), Rousseau endereçou à Voltaire uma carta, contestando a opinião do amigo filósofo, que entendia ter sido a natureza a grande responsável por todos os prejuízos e mortes. Para Rousseau, ao contrário, a principal causa das mortes e prejuízos era o comportamento humano. A “carta da providência”, como é chamada, lançou luzes para o fato de que os desastres não são naturais, pois decorrem da negligência humana aos riscos e às vulnerabilidades. Além disso, a (in)capacidade de resposta denota o quão devastador será um desastre.
Desastres precisam ser prevenidos ou, no mínimo, mitigados por políticas públicas
Desastres precisam ser prevenidos ou, no mínimo, mitigados por políticas públicas. Em nosso país, não existe um sistema coerente e funcional! Nem sequer existem investimentos compatíveis com o cumprimento das leis existentes. Segundo a ONG Contas Abertas, os investimentos públicos em prevenção a desastres vêm diminuindo progressivamente na última década. De outro lado, o cenário climático mostra-se cada vez mais desafiador, com fenômenos mais frequentes e intensos. Rousseau ficaria estarrecido, mas não surpreso.
Desde 2012, é lei que municípios devem ter mapas de áreas de risco e internalizá-los nos Planos Diretores, a fim de limitar a sua ocupação. Municípios, Estados e União devem ter planos de contingência para orientar a resposta emergencial, mas apenas 13% dos municípios gaúchos têm mapas de risco. Nem ao menos há dados sobre a implementação das medidas para evitar ocupação e monitoramento de riscos. Sem o apoio do Estado e da União, os entes municipais pouco conseguem e o ciclo vicioso dos desastres continua.