Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
Muitos são os motivos que podem levar alguém a vagar pela rua, sem referência, sem lar. As pesquisas realizadas com a população nessa condição indicam que alguns estão ali por causa do vício em drogas, álcool, problemas de saúde mental, desemparo econômico. Tudo isso é relativamente bem estabelecido no nosso senso comum.
Alguns sugerem que as pessoas em situação de rua – se não todas, boa parte delas – assim ficam por opção. Como se fosse uma escolha de vida, uma espécie de “nomadismo urbano”, a preferência pela “liberdade da rua”. De fato, identifica-se que várias destas pessoas, quando perguntadas, respondem que preferem a rua, que a escolheram. A questão fundamental, no entanto, são as circunstâncias sob as quais tais escolhas se construíram e contra quais alternativas a rua permanece atrativa.
Resolver a questão dessas pessoas tem a ver com reconstruir um caminho de volta ao lar
Primeiro, não existem moradores de rua. Na rua não se mora. O conceito de morar não se aplica a qualquer espaço que não seja um lar. É por isso que hoje, sociologicamente, fala-se em pessoas em situação de rua. Trata-se de uma situação criada a partir de um histórico que corroeu não apenas as condições materiais do indivíduo, mas também seus laços sociais e familiares mais básicos. Uma preferência pela rua não é redentora, mas a manifestação do mais absoluto aprisionamento.
Assim, resolver a questão dessas pessoas tem a ver com reconstruir um caminho de volta ao lar. Já sabemos, através de diversas experiências e estudos mundo afora, que resgatar pessoas da situação de rua envolve um trabalho multidisciplinar e concentrado no indivíduo e, tão importante quanto, no seu entorno. Além do abrigo e de condições materiais básicas, é imprescindível o acompanhamento médico, psicológico, de assistência social, de orientação profissional, entre outras iniciativas de cuidados com pessoas que já nem sabem mais o que essa palavra significa.
Mais do que realocar, a sociedade precisa cuidar. E cuidar implica ações organizadas e transversais a várias áreas do serviço público. É dispendioso e exige árduo empenho. No Brasil, é hábito tratarmos a questão da população de rua de maneira errática, com projetos isolados e, não raro, respondendo à agudização da situação e de suas consequências sobre a cidade. Ao fazer isso, o foco fica mais no dono da calçada do que na pessoa que lá está dormindo. Precisamos ter claro: pessoas em situação de rua não são o problema, elas estão enfrentando um problema e, por isso, precisam de política pública eficiente.