Alfredo Fedrizzi, conselheiro e consultor
Foi uma tarde inteira de manifestações. A maioria dos participantes com um cravo vermelho na mão ou fixado na roupa. Milhares de pessoas em diversos grupos compartilhando posições, vozes e alegrias.
Foi o que vi no dia 25 de abril na principal avenida de Lisboa, a Liberdade, celebrando o fim da ditadura. Explícito no movimento o desejo de preservar a conquista, o espaço do povo nas ruas e em todos os lugares. Em uma época de tantas manifestações virtuais, nas quais as pessoas dizem o que querem, sem filtro e sem respeito, escondidas em perfis falsos, foi emocionante.
Nas ruas, civilidade, coragem e verdade expressas em faixas, cartazes, música e arte. Flores em vez de armas, cravos vermelhos.
Famílias, idosos, crianças: “o melhor legado que lhes posso deixar é terem consciência”, disse um pai. Paz e valores. Cuidado com a liberdade individual e coletiva.
No Brasil, estivemos bem próximos de um rompimento institucional e a manifestação dos portugueses é um exemplo
Eu observava e registrava. “Só há liberdade a sério quando houver paz, pão, habitação, saúde, educação.” “Quem ensina a ter asas não pode rastejar.” “Fascismo nunca mais.” “Para a guerra vai milhões. Para nós só há tostões.” “Todas sabemos”, manifesto de 900 mulheres contra o assédio sexual. “Habitação é um direito, sem ela nada feito.” Incontáveis temas. Mais médicos, mais verbas para a cultura ... Impossível descrever tudo.
O cuidado com a democracia em um momento de vulnerabilidade no mundo todo.
Grândola, Vila Morena, hino da Revolução dos Cravos que acabou com a ditadura salazarista, cantada por todos. Portugal viveu 48 anos sob regime autoritário, o período mais longo registrado na Europa Ocidental no século 20. A renovação dos cuidados com a democracia é expressa nas ruas todos os anos para que nunca mais aconteça.
No Brasil estivemos bem próximos de um rompimento institucional e a manifestação dos portugueses é um exemplo: unir a sociedade para dizer não ao totalitarismo. As crenças e vontades do povo, ao vivo, mostrando a cara e assumindo o que quer e precisa para uma vida digna. Sem perfis falsos, sem fake news, sem se esconder atrás de telas, no anonimato da internet.
Voltei para casa me lembrando de Cazuza: “Brasil, mostra a tua cara”. Vamos celebrar a democracia levando nossa cultura, nossa alegria e nossas famílias para as ruas. Vamos mostrar o que desejamos para nós e para o mundo, carregando flores, não armas. Vamos criar um dia como este no Brasil?