Ficaram menores as chances de o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) dar início, ainda neste ano, a um novo ciclo de cortes da taxa Selic. Se isso de fato se confirmar nos próximos meses, reduzem-se também as possibilidades de a economia brasileira, em desaceleração, reagir em um ritmo mais forte. O desfecho, neste cenário, seria um PIB inferior a 1% em 2023, como projeta hoje o mercado, o que, por certo, afetaria inclusive a popularidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Mais do que diminuir as esperanças de corte da Selic neste ano, o BC alertou que poderá até elevar novamente a taxa
O comunicado do Copom, após o colegiado confirmar na quarta-feira a manutenção do juro básico do país em 13,75% ao ano, foi um recado claro para o Palácio do Planalto. Além do cenário externo nebuloso, ainda há “elevada incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e estímulos fiscais que implicam sustentação da demanda agregada”. Mais do que diminuir as esperanças de corte da Selic neste ano, o BC alertou que poderá até elevar novamente a taxa caso os índices de preços e as expectativas não tenham a trajetória esperada.
Seria proveitoso se o governo, especialmente o presidente Lula, compreendesse que ruídos desnecessários também têm consequências reais. Ao sinalizar aumento dos gastos públicos, criticar as metas atuais de inflação e atacar a autonomia do Banco Central, o Planalto sinaliza que pode ser leniente no combate ao dragão que ao fim devora justamente a renda dos mais pobres e, no futuro, tentar uma redução do juro na marra, uma experiência com resultados desastrosos há não muito tempo.
Mesmo que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, venha se esforçando para amenizar declarações do presidente, não há certeza sobre qual postura irá preponderar. O resultado é o contrário do desejável. As expectativas de inflação vêm subindo e, com isso, não há espaço para o Copom indicar corte da Selic. O presidente da República, em entrevista veiculada na noite de quinta-feira, voltou a colocar em dúvida a autonomia formal do BC no futuro. Como se poderia esperar, os juros futuros tiveram alta expressiva na sexta-feira, em um cenário também afetado por componentes externos. Isso conduz a crédito mais caro, o que é péssimo para os investimentos produtivos e para os endividados, com reflexos em uma atividade econômica mais débil. Mas é o paraíso para os rentistas tão criticados por Lula, que ganham com as aplicações seguras vinculadas ao juro.
Lula fez, especialmente em seu primeiro mandato, um governo que soube conciliar responsabilidade fiscal com cuidado social. Seria positivo se seguisse o que deu certo, e não a fórmula causadora de uma profunda crise nos anos seguintes. Na terça-feira, em reunião na Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Haddad pediu um voto de confiança do mercado e prometeu uma regra fiscal “crível e exequível”, a ser apresentada até o final de abril, para em seguida ser analisada pelo Congresso. Os brasileiros almejam uma economia crescendo de forma sustentável, a continuidade da melhora do mercado de trabalho e o controle da inflação, junto à queda dos juros. Enquanto aguarda-se para conhecer a proposta da nova âncora fiscal do país, o ideal seria o presidente evitar ruídos que apenas tornam mais pedregoso o caminho para alcançar o cenário desejável.