Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
Quando eu era guri, cruzou por mim um artigo de revista que sugeria o seguinte: para ser bem-sucedido profissionalmente, eu deveria fazer sempre 10% além do que era esperado. Segundo a profecia, essa seria uma relevante sinalização de esforço e comprometimento. Por muito tempo, aquilo me incomodou de alguma forma. Anos depois, olho para trás e percebo o motivo.
Sendo puramente economicista, faz certo sentido concentrar esforços para aumentar a produtividade individual – ou seja, produzir cada vez mais por dia/hora de trabalho. Quando consideramos estratégias de incremento na produtividade, é natural que busquemos nos capacitar, nos reinventar e inovar. Sermos mais produtivos parece uma estratégia bastante razoável.
Já sobre a questão da sinalização para o mercado de trabalho, o “conselho” também tem certa lógica. A questão, aqui, é achar o esforço extra em nível ótimo: aquele que pode ser percebido e valorizado pelo mercado de trabalho e que possa gerar retorno condizente para você. Até aqui, tudo bem.
Mas, então, qual seria o problema com um conselho que parece tão efetivo? A sua lógica interna e a repercussão social. O primeiro ponto diz respeito ao modo como esta motivação funciona como regra. Um profissional capacitado e em plena atividade, em um mercado de trabalho minimamente funcional, está apto a desempenhar bem o seu papel. Entregas extras devem ser entendidas como extras e não como algo mandatório para sua progressão profissional. Caso contrário, assumimos uma postura de constante insatisfação e incapacidade, que pouco contribuirá para realização do profissional enquanto indivíduo.
Do ponto de vista social, do mercado de trabalho como um todo, não precisamos que as pessoas entreguem “bem+10%”. Sociedades desenvolvidas contam com profissionais bastante produtivos, que entregam de forma excelente, na média, e por isso são justamente reconhecidos. O importante aqui é conseguirmos, como sociedade, educar e capacitar as pessoas para que vivam uma vida profissional plena, e não mirar chavões tolos do tipo “batalhe enquanto eles dormem”.
Para 2023, desejo que este conselho seja ainda mais desprovido de sentido. Que consigamos construir uma sociedade mais igualitária e fraterna, onde os 10% sejam de desconto para pagamento à vista, apenas. Feliz ano-novo!