É mais um péssimo sinal emitido pelo governo federal ao mundo a demissão do chefe da Polícia Federal (PF) do Amazonas, Alexandre Saraiva. O afastamento aconteceu em um intervalo de menos de 24 horas após vir a público a notícia de que Saraiva enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma notícia-crime em que pede apuração sobre atitudes do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e do senador Telmário Mota (Pros-RR). A alegação é de que ambos estariam prejudicando medidas de fiscalização de crimes contra a natureza. O pano de fundo do conflito é a apreensão de madeira com abundantes indícios de irregularidades feita pela PF, a maior ação do gênero da história do órgão, uma operação que, em circunstâncias normais, deveria ser saudada pelo Palácio do Planalto.
Nos últimos dois anos e quatro meses, são incontáveis as turbulências e as contendas internas e externas gestados no Planalto
Salles, que pela função ocupada deveria ter uma atuação voltada à proteção do ambiente, age no sentido contrário, defendendo os interesses de empresas investigadas por suposto envolvimento em desmatamento ilegal. desmatamento ilegal. Poderia ser chocante, se não se tratasse de apenas mais uma investida de Salles a sabotar trabalho de vigilância contra ações danosas que afetam biomas brasileiros. As denúncias de obstrução de investigação ambiental, advocacia administrativa e organização criminosa contra o ministro deveriam ser suficientes para que o presidente Jair Bolsonaro o defenestrasse sumariamente. Mas quem caiu foi o chefe da PF no Amazonas. Às vésperas da cúpula do clima, convocada para a semana que vem pelo presidente dos EUA, Joe Biden, quando o Brasil vai ser cobrado a combater o desflorestamento, o governo brasileiro mostra que, na queda de braço, ficou ao lado dos suspeitos de crimes ambientais.
O caso tende apenas a acirrar a animosidade internacional contra o Brasil, reforçando a percepção de que o governo Bolsonaro é uma máquina de gerar conflitos. Nos últimos dois anos e quatro meses, são incontáveis as turbulências e as contendas internas e externas gestadas no Planalto. No plano doméstico, o mais recente é o novo ataque de Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a tentativa de influenciar a CPI da Pandemia. Isso após mal ter baixado a poeira da crise militar que levou à substituição do ministro da Defesa e dos comandantes das Forças Armadas, episódio que chegou ao fim, felizmente, com recados claros de militares da ativa e da reserva de que Exército, Marinha e Aeronáutica são instituições de Estado e não estão subordinadas a humores do presidente da vez. Ontem deu tempo ainda para gerar um novo atrito com o presidente da Argentina, Alberto Fernández, com uma publicação, em rede social, sobre o papel das forças armadas do país vizinho na pandemia. Uma atitude desnecessária, lamentável, gratuita e que passa longe do que deveria ser o cultivo de boas relações com as demais nações.
O governo federal tem conflitos com prefeitos, governadores, cientistas, põe em dúvida a lisura do processo eleitoral, interfere em estatais e se desentende com laboratórios e países que poderiam garantir ao Brasil uma situação mais confortável de vacinação, enquanto se esquiva de decisões difíceis e terceiriza culpas. Ao fim, são os brasileiros, exaustos, que perdem com tantas frentes de instabilidade abertas ao mesmo tempo. Espera-se que as instituições prossigam mostrando a solidez necessária para que o país atravesse os dias mais revoltos. Mas o custo de tantos sobressaltos, mais uma vez, pode ser uma nova frustrante constatação de que a tão esperada recuperação da economia será outra vez adiada.