O assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, não é um caso isolado nem o resultado de uma fatalidade. A violência racial, expressa em posturas políticas, palavras, gestos, pontapés, socos e tiros, é parte da rotina de milhões de negros em todos os continentes. No momento em que Porto Alegre ocupa um desonroso lugar nas manchetes do mundo inteiro, cabe-nos expressar indignação incondicional diante da barbárie.
O Estado tem o papel de prender e julgar os responsáveis de forma célere e de implantar políticas que preencham a lacuna de oportunidades que amassa as populações negras no Brasil
Não podemos mais tolerar esse tipo de crime como se fosse inevitável. Mas para que esse esforço não perca o foco, toda e qualquer violência deve ser evitada e condenada, inclusive a observada ontem, em Porto Alegre e em São Paulo, com depredações e enfrentamentos entre desordeiros e forças de segurança pública. Os quebra-quebras são obra de uma minoria, que não representa os milhões de gaúchos e de brasileiros chocados com a morte de João Alberto. O livre direito às manifestações deve ser exercido na sua plenitude, como forma democrática de pressão sobre a sociedade. Existe, porém, um ponto definidor dessa reação. A violência se autoalimenta, formando uma espiral com consequências nocivas para todos e contrárias à luta por mais justiça e igualdade. A indignação é legítima e necessária, mas sua expressão não pode, em hipótese alguma, se desviar do caminho construtivo estabelecido pelas leis.
Neste contexto, a resposta deve ser ampla. As empresas e organizações têm o dever de reforçar treinamentos e práticas de compliance. O Estado tem o papel de prender e julgar os responsáveis de forma célere e de implantar políticas que preencham a lacuna de oportunidades que amassa as populações negras no Brasil. Aos indivíduos, cabe cobrar e praticar, nas suas áreas de alcance, condutas alinhadas com a inclusão, com o respeito e com a diversidade.
Os nomes de negros assassinados em condições similares têm origens e sotaques diferentes: George Floyd, 46 anos, asfixiado por policiais brancos em Mineápolis, Estados Unidos, ou João Pedro, 14 anos, baleado dentro de casa, em São Gonçalo, Rio de Janeiro. Em comum, o descaso com a vida e a cor da pele. O racismo estrutural não é um problema apenas dos negros. Mais do que tudo, é uma ferida aberta em todos e em cada um, pelos seus efeitos nefastos na dinâmica social e na realidade objetiva de indivíduos, famílias e comunidades. O filósofo francês Jean-Paul Sartre, em um de seus textos, bem pontuou: o racismo é uma doença do racista, e não das suas vítimas. Já passou da hora de buscarmos, juntos, uma cura. O caminho é penoso, mas necessário.
A mobilização rápida, correta e positiva de autoridades e entidades, diante da bestialidade perpetrada no supermercado da Capital, é um sinal positivo de uma esperança que tem longa história. Em 1963, Martin Luther King discursou diante de 250 mil pessoas em Washington. Pronunciou, então, a sua frase mais célebre e bela, projetando um futuro luminoso que, infelizmente, ainda não chegou: "Eu tenho um sonho", disse o maior líder dos direitos civis da história dos Estados Unidos. King morreu assassinado. Seu sonho, apesar de tantos pesadelos como o de hoje, ainda vive.