Por Igor Oliveira, consultor empresarial
Hoje é sexta-feira. Imagine que você é responsável pela saúde de uma aldeia de mil pessoas e aplicou os 10 testes que tinha para uma nova doença misteriosa que surgira, dos quais nove deram positivo. No telefone com a gestora regional, você solicita cem testes para serem aplicados na semana que vem. Impactada pelo seu apelo, ela prontamente aceita. Quantos darão positivo?
Se você respondeu 90, provavelmente partiu da premissa de que os 10 testes anteriores foram aplicados de maneira rigorosamente aleatória. Em outras palavras, a prevalência do vírus na população é muito parecida com a da amostra. Na prática, essa situação quase não acontece. Tendemos a testar pessoas que de alguma forma sinalizaram estar doentes. É provável que o número de positivos na próxima semana seja muito menor do que 90, a não ser que a epidemia esteja crescendo muito ou que o vírus seja absolutamente invisível.
Estamos pagando o preço ao viver em um mundo que exige lidar com longas e complexas cadeias causais
É por essas e outras que temos que ter cautela em utilizar argumentos como “o número de novos casos cresceu porque testamos mais”. Frequentemente, o que acontece é o oposto. Testamos mais porque o número de novos casos cresceu, e, com isso, casos ocultos são relatados, o que nos leva a testar ainda mais. Inferência causal em saúde é mesmo um bicho difícil e ingrato, ainda mais quando colocamos na conta fatores sociais e ambientais. Mais estranho é o comportamento de quem faz um teste para a covid-19, recebe um resultado negativo e sai por aí a comemorar.
Veja, os diferentes tipos de testes ainda são relativamente imprecisos e só funcionam em janelas temporais específicas. E, bem, ter testado negativo não lhe dá qualquer tipo de imunidade após o exame. Você pode ter pego o vírus até mesmo entre o local de testagem e sua casa.
Um alarme que tem soado aqui é sobre como as pessoas lidam mal com três aspectos fundamentais da vida: raciocínio causal, análise de risco e interdependência. Durante décadas, nos venderam a ilusão de que o mundo era simples e que só dependíamos de nós mesmos. Agora estamos pagando o preço ao viver em um mundo que exige lidar com longas e complexas cadeias causais, comparar níveis de risco de diferentes atividades e aceitar que dependemos uns dos outros.