Por José Luiz de Araújo Aymay, advogado e mestre em Direito Público
O Ministério Público Estadual (MP) mais uma vez me surpreendeu, e não foi de forma positiva. Não vou questionar a importância da instituição. Muito menos pretendo criticar os membros que a compõem. Há muita gente competente por lá, e disso eu não duvido!
Meu objetivo aqui é refletir sobre uma questão muito pontual e de extrema importância: o racismo.
O dia é 22 de março de 2019. Tenho sobre a minha mesa duas ações penais para trabalhar. Numa das ações, o cliente é negro. Na outra ação, o cliente é loiro de olhos azuis.
Na qualificação da peça acusatória do cliente loiro, nada de anormal. Lá constou o nome, a nacionalidade, o estado civil e a residência do vivente. Mas estranhamente, na qualificação do cliente negro, assim fez constar o MP: "Fulano de tal", brasileiro, solteiro, mulato, pobre.
Ora, qual o sentido lógico de pedir a condenação do cidadão qualificando-o como "mulato, pobre"?
Será que na concepção da acusação, tais condições são elementos capazes de auxiliar na condenação da pessoa?
Até se compreende que, à luz do que dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal (CPP), sendo o réu desconhecido ou havendo dúvidas significativas sobre a sua identificação (o que não é nem de perto o caso que trato), até soaria prudente que se prestasse "esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo" (trecho do art. 41 do CPP), mas definitivamente não é o caso.
Bueno... Realmente não acredito, ou não quero acreditar, que determinados promotores qualifiquem acusados como "mulato, pobre" decidam por agir assim acreditando em maiores chances de condenação em razão da raça e da condição econômica do cidadão.
A meu ver, o tratamento diferenciado praticado pelo MP (seja ele intencional ou não) introduz na sociedade um sentimento que deve ser repudiado, pois é como se o Estado, por meio do MP, procurasse fazer uma escolha étnica de quem deve ser preso. A postura adotada beira, e muito, o chamado racismo institucional, em que se trata o negro de uma forma e o branco de outra. Não por acaso Martin Luther King já havia nos alertado ao dizer: Eu tenho um sonho. O sonho de ver meus filhos julgados por sua personalidade, não pela cor de sua pele.