Por Jorge Barcellos, doutor em Educação/UFRGS
Nada de fake news, bigdata ou algoritmos. A redação da prova do Enem colocou em evidência a importância da psicopolítica. A disciplina é nova e evoca os efeitos do neoliberalismo no campo da gestão emocional dos impulsos. Desde os estudos de Michel Foucault à Byung-Chul Han, sabemos que o poder explora respectivamente a vida (poder soberano), o corpo (poder disciplinar) e agora a alma (psicopolítica).
A psicopolítica defende que o capitalismo de emoção é a expressão do interesse do capital pelas emoções. A emoção se ligou ao processo econômico pois ela é diferente de sentimento. Emoção representa algo subjetivo; sentimento, algo objetivo. O meio digital potencializou a veiculação das emoções e não de sentimentos e é pelo acesso à emoção que o capital tenta manipular nosso comportamento. Isso ocorre porque a emoção é dinâmica, situacional e performativa, servindo ao capitalismo do consumo, que lhe vende significações.
É uma questão difícil? Sim, porque os alunos têm ideia do tema pelo uso que fazem das redes sociais, mas não dos processos e técnicas neoliberais envolvidos. Daí sua importância, de chamar a atenção para o uso das emoções como recursos para aumentar a produtividade e o rendimento: a partir de um determinado nível de produção, a racionalidade depara com os seus limites, e para substitui-la, entra em cena a emocionalidade. Agora, ser livre significa dar livre curso às emoções. Nossas necessidades estão sendo estimuladas e engendradas para consumirmos emoções, que se tornaram a matéria prima de fake news e o pior é que somos nós que alimentamos essa máquina acreditando que estamos exercendo nossa liberdade.
O tema da prova não é sobre tecnologia, é sobre a liberdade. Por isso a forma de lutar contra a gestão emocional é o estabelecimento de certa distância da internet. O big data só manipula informações para afetar a sede dos impulsos porque nós o alimentamos sem consciência plena desses processos. Diz Han: "a psicopolítica neoliberal apodera-se da emoção para exercer influência sobre as ações a nível pré-reflexivo". O grande vilão é o capital, que nos faz acreditar que ao nos expormos na rede mundial, estamos sendo livres. É o contrário.