A gente acha que é mais na política, mesmo quando meio mundo faz de conta que não vê, por hipocrisia, mas tem cada vez mais pessoas encarando qualquer negócio por dinheiro. Umas, só pela obsessão de acumular. Outras, por sobrevivência. É o que explica essas casas com piscina olímpica, mas também as com frestas na parede e telhas castigadas pelas tempestades de primavera. Tudo tem a ver com cifrões, tão raros, mas tão fartos nas mãos de poucos.
Num de seus mais lindos Contos Gauchescos, Simões Lopes Neto narra o desespero do personagem Blau Nunes, compartilhado com seu cavalo zaino e um cusco, diante da possibilidade de ter perdido dinheiro alheio e precisar ressarci-lo. O montante dá título ao texto: trezentas onças, a moeda da época, em ouro.
O que martiriza o peão, a ponto de fazê-lo pensar em suicídio, é a possibilidade de se tornar suspeito de desonestidade. Alguém percebe essa preocupação entre solitários desgarrados debatendo-se pelas cidades nas quais se transformaram os campos?
Frieza é o padrão atual, tão cultuado, entre os que esbanjam dinheiro e poder. Quem vive numas ruas escavadas morro acima, em periferias longínquas nas quais o esgoto escorre pelas beiras e o ônibus custa a passar, quando passa, tende a fugir também de sentimentalismos. Está cada vez mais difícil seguir todos os mandamentos. E são 10.
Emprego, mal tem por aí. O que aparece é precário.
O salário não cobre um mês de luz, de arroz e feijão, de água, de gás, mais a farmácia, às vezes carne.
Quem não consegue juntar palavras direito, nem somar 15 mais 7 de cabeça, mesmo tendo concluído o Ensino Médio, precisa sobreviver gritando pastel/ bolo/ pizza pelas ruas. Se ainda tem crédito, pode até alugar um carro, catar passageiro por aplicativos. Mas quem tem?
Famílias de poucos recursos e dignidade aos montes vão até o limite tentando manter alguma coesão entre os de casa. Recorrem ao amor, à fé, à crença, mas está particularmente difícil para os filhos. Quando se vê, uns já estão no comércio de droga. Outros não hesitam em recorrer ao corpo, se for para reforçar a renda.
Ética não paga conta. Moral, o que se ganha com isso? Escrúpulo? Melhor uma roupa nova. Pelo menos, aquieta a alma, espanta culpa, pacifica o coração naquela hora definitiva de se encarar a sós o travesseiro.
E, assim, a vida vai transcorrendo para muitos como um imenso, pobre e patético programa de auditório do tipo topa tudo por dinheiro. As pessoas se jogam umas sobre as outras, o tempo inteiro, tentando fisgar a garoupa da nota de cem.
Essa é a síntese simplista e dolorosa do nosso tempo. A começar pela política, mas também em casa, nas ruas, em muitas igrejas e call centers, nos relacionamentos, além dos bancos e das lojas que ganham no juro, tudo se resume a uma única questão: dinheiro. O resto é mistificação, faz de conta.
Que triste. Mas, também, que felicidade ver esses seres solitários vagueando pelo pampa existencial de guaiaca vazia, obcecados com a própria honra.
No fundo, mas nem tanto a ponto de não percebermos, temos em comum algo que paira acima de tudo, até das diferenças. É alguma coisa absolutamente inegociável, que nos iguala na nossa essência de seres humanos.
É o que pode nos libertar dessa escravidão capaz de tornar cada um de nós tão vil, tão frio, tão nada.