Por Francisco Marshall, professor titular de História, IFCH-UFRGS
A arte passou muitos séculos subordinada aos caprichos de governantes e clérigos, que adoram desfrutar desse ótimo veículo de propaganda. A palavra mecenato, hoje adaptada para referir-se ao fomento à cultura com incentivo fiscal, rememora o momento em que, há 2 mil anos, o imperador Otávio Augusto contou com recursos de seu amigo Gaio Maecenas para fomentar, entre outras obras, os versos de Virgílio em que este descreve a formação de Roma e as relações da deusa Vênus e de seu filho Eneias com a família do monarca, a gens Julia. A glória de Roma era nutrida por um passado heroico agenciado por gente como o imperador, assim garantiam os lindos versos da Eneida.
Hoje uma parte da produção artística sobrevive do mercado, mas infelizmente essa condição não se estende a todo o campo da cultura. Isto torna necessário o investimento permanente na memória cultural, na preservação de acervos materiais e imateriais, em museus e centros culturais, em novos talentos, em experiências artísticas de vanguarda, em programas de ensino das artes e, especialmente, na transmissão do legado cultural aos carentes. A sociedade precisa de símbolos culturais e do encanto e inteligência da arte.
Quando e onde o mercado não consegue viabilizar a arte, a sociedade o faz, por meio do Estado, com normas que garantam impessoalidade, lisura e qualidade. É por meio de políticas culturais que se dá o fomento à cultura em uma República democrática. Debatem-se assuntos e critérios, atuam conselhos curatoriais com autoridade e legitimidade, há ampla cooperação interinstitucional, desenvolvem-se leis, programas institucionais e editais corretos, com cronogramas, boa divulgação e muito controle na realização, por meio de instituições culturais.
O abandono dessas regras nos expõe a retrocesso cultural e político, e à degradação das relações entre Estado e cultura. Faz-nos temer que o recuo nos leve ao tempo dos coronéis, onde o poder é usado em favor dos compadres e qualquer cafonice pode ser imposta à sociedade, com recursos públicos. Poupar a cultura dos abusos do Estado é também defender a República, pauta sempre urgente.