A Câmara Municipal de Porto Alegre pode ter suas razões para o reajuste salarial que os legisladores se autoconcederam. Nenhuma delas é consistente para desfazer a impressão de que a decisão é inoportuna. No momento em que o setor público, nas três instâncias da federação, refaz as contas já apertadas para se adequar ao impacto na arrecadação do desabastecimento provocado pela greve dos caminhoneiros, a iniciativa passa a ideia de que os representantes municipais estão de costas para a população. O dinheiro repassado para a Câmara é o mesmo que é arrecadado dos contribuintes. É, portanto, o mesmo que já se mostra insuficiente para a Prefeitura atender a demandas essenciais da população, em áreas como saúde, educação, transporte e conservação de ruas.
Ao avaliar que o tema não deveria merecer atenção da imprensa, o presidente da Câmara de Porto Alegre, Valter Nagelstein, passa também uma mensagem distorcida, com potencial para influenciar outros Legislativos a seguirem pelo mesmo caminho. Por todo o país, e mesmo no Rio Grande do Sul, outras cidades já se encarregaram de repassar a inflação e até mais aos salários dos vereadores. Se for ampliada, a tendência vai gerar ainda mais distorções no setor público.
A situação se agrava porque, em muitos municípios, particularmente os de menor porte, os gastos das prefeituras com as Câmaras já ultrapassam hoje os limites previstos na Constituição. Em cidades menores, vereadores costumam se reunir poucas vezes por semana, até mesmo porque não há um número tão elevado de temas a ser analisado. Essa realidade torna ainda menos justificáveis políticas de ganhos muito superiores aos da maioria da população e reajustes frequentes. As distorções chegam ao ponto de, em um número elevado de cidades, os dispêndios com vereadores suplantarem investimentos em demandas urgentes da sociedade.
Qualquer iniciativa das câmaras legislativas, a começar por reajustes salariais dos próprios vereadores, exige o máximo de transparência e acesso à informação pelos munícipes. Embora esse não seja ano de eleições municipais, reajustes extemporâneos acabam contribuindo para desgastar ainda mais a imagem dos políticos.