Declarada em "default seletivo" por agências de risco – condição que, na prática, equivale a um calote parcial –, a Venezuela garantiu algum fôlego ao fechar um acordo às pressas com a Rússia, um de seus principais parceiros comerciais. O acerto, porém, está longe de livrar Caracas de dificuldades financeiras sérias no prazo imediato. Os prejuízos seriam extensivos a seus principais credores, incluindo o Brasil, onde as perdas dos setores público e privado podem alcançar até US$ 5 bilhões. O desastre nas contas do país vizinho, às voltas hoje com uma perversa combinação de recessão e inflação elevada, deixa também uma amarga lição sobre até onde podem ir os riscos do populismo.
Quem acaba pagando a conta são as populações de países que se deixam dominar pelo paternalismo.
Dona de uma das maiores reservas mundiais de petróleo, a Venezuela se mostrou incapaz de usar esse trunfo em momentos de alta nos preços dos derivados para equilibrar suas contas e se estabilizar economicamente. O descontrole acelerou-se particularmente a partir da implantação do modelo chavista. Desde então, o país vem ignorando regras básicas de uma economia de mercado e deixou de levar em conta a necessária preocupação com o rigor fiscal. Hoje, além de estar em dificuldade para honrar papéis emitidos pelo governo e por sua principal empresa, a Petroleos de Venezuela (PDVSA), a administração Nicolás Maduro tem uma dívida externa estimada em até US$ 150 bilhões. Enquanto isso, suas reservas andariam em torno de US$ 10 bilhões, insuficientes para honrar compromissos financeiros deste e do próximo ano.
Ainda que Caracas possa estar forçando artificialmente uma queda nos preços dos papéis oficiais, numa manobra arriscada para facilitar a possibilidade de recomprá-los, o fato é que a população local vem há algum tempo arcando com o ônus, que é pesado. Entre tantos outros problemas, os venezuelanos enfrentam desabastecimento em áreas como alimentos e remédios. Ao contrário de crises anteriores, que atingiram todos os países da região, essa ocorre de forma isolada. A iminência de caos, que pode inclusive culminar num calote, é resultante diretamente dos equívocos de políticas populistas, respaldadas na manipulação da realidade, na interferência do Executivo nos demais poderes e na perseguição a veículos independentes de comunicação.
A crise venezuelana serve de alerta sobre os riscos de políticas demagógicas, inclusive para o Brasil, onde os últimos governantes aprofundaram perigosamente as relações com o chavismo. No final, quem acaba pagando a conta são as populações de países que se deixam dominar pelo paternalismo.