Sempre me incomodou a expressão do nosso hino: “Sirvam nossas façanhas de modelo a toda terra”. Que façanhas? Perder uma guerra? Segurar fronteiras? Tentar se separar do Brasil? Então, somos exemplos de quê? Há algo de prepotência no gauchismo. Fomos “eleitos” para orientar o Brasil e talvez o mundo (modelo a toda terra!)?
Na verdade, somos terrivelmente narcisistas, onipotentes e arrogantes. Achamos que temos o que não temos mais, que somos o que não somos. A mania de grandeza nos contamina. No fundo, tudo isso pode ser uma manifestação da nossa precária autoestima, de nos sentirmos por baixo. Negamos a realidade, que é dura, e nos enfurnamos no passado. Trocamos a história pelo folclore, que é falso.
A figura do gaúcho foi construída por tradicionalistas, como Barbosa Lessa e Paixão Côrtes, como sendo um legítimo representante dos valores do RS. A bombacha, o acordeão, o violão, o chimarrão, nada disso é nosso. Dizemos que o gaúcho comia carreteiro, mas o arroz só chegou aqui em 1940. O Capitão Rodrigo, de O Tempo e o Vento, também é uma ficção!
Ficamos embutidos na nossa cultura. Daí nossa resistência em inovar, em receber pessoas de fora, outras culturas, outras formas de pensamento. Rechaçamos o outro. Especialmente, se o outro for diferente. Temos muita dificuldade de nos conectar com o mundo, de agir e pensar de forma coletiva. A arrogância emburrece e destrói, pois o arrogante acredita que não precisa fazer nada, que já tem e já é tudo. Muitos empresários gaúchos, por exemplo, acham que não é preciso mexer nos negócios e que o modelo atual vai durar por muitos anos. A ciência sabe que só o conhecimento antigo é insuficiente. Em vez de nos aprisionarmos em antigas tradições, precisamos dar ênfase a novas observações e experimentos, avançar, aprimorar o que já conhecemos! E acabar com rivalidades que não levam a nada. Não tem sentido competir com os paulistas, menosprezar os argentinos e não nos acharmos brasileiros.
O que sobra disso tudo? Um Estado degradado, empobrecido, com professores desprezados.
A arrogância do gauchismo cresceu e está fazendo muito mal a todos nós. É urgente desconstruir esse mito coletivo de superioridade. Olhar sem medo para a crise que aí está há muito tempo. Descobrir novos potenciais. Empreender. Abrir outras possibilidades de conexão com o mundo. Fazer uma nova narrativa.